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LUANA GÉNOT

LUANA GÉNOT lgenot@simaigualdaderacial.com.br

Conheci o jornalista Dom Phillips no Theatro Municipal. Em 2011, sentei ao seu lado quando ouvi o discurso do Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos. Depois disso, não lembro de tê-lo encontrado pessoalmente nem imaginaria que isso não iria mais acontecer. Trocamos algumas palavras. Não me recordo ao certo sobre o que falamos, mas sei o quanto ele era consciente de seus privilégios como jornalista, homem, branco, inglês, vivendo e trabalhando no Brasil. E que usou parte do seu talento para chamar a atenção para pautas importantes, reconhecendo seu poder e lugar de fala.

Portanto, não me espanta ele ter dedicado parte do seu tempo em vida para escrever sobre a Amazônia e os povos indígenas. É ainda com um aperto no peito e tristeza que escrevo esta coluna após o resultado da perícia que reconheceu os restos mortais encontrados na Amazônia como de Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.

Não vou aqui reforçar as narrativas de heroísmo sobre os dois que vejo sendo escritas por aí. Tampouco a comoção seletiva que nos leva a atentar ao caso especialmente porque tem um jornalista, branco, europeu, que foi morto — e negligencia tantos casos de violência e assassinatos com menos poder midiático que acontecem infelizmente à exaustão. Mas quero reforçar a história de duas pessoas, comuns como você e eu, que foram assassinadas em plena Amazônia, tendo seu direito de ir e vir e viver estraçalhados. Duas pessoas que agiam proativamente em ecoar injustiças.

O episódio brutal marca com sangue nossa História e entrelaça múltiplas camadas que vão do descaso com a Amazônia e os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas ao fato de a região ter se tornado uma rota estratégica do narcotráfico. Situações nefastas, que em hipótese alguma podem ser naturalizadas.

Se você, assim como eu, recebeu em grupos comentários que tentam de alguma forma relativizar a morte dos dois e a necropolítica que se instaura no Brasil, entendo que é preciso refutá-los veementemente (só bloquear quem passou a mensagem ou reproduzir o conteúdo pode ajudar a reforçá-los). Temos a árdua missão de mobilizar uma massa inerte que cruza os braços e reproduz o discurso de que aqui é uma terra sem lei. Cuidado. A manutenção de um comportamento de inércia serve aos interesses de quem se beneficia com um Brasil que é mantido como colônia. Essa lógica é disseminada por quem quer manter a massa condicionada, dizendo inclusive que votar não adianta.

Não é simples, mas há jeito. As urnas estão logo ali. A exigência por Justiça está bem aqui na palma das suas mãos. Envie mensagens para as instituições responsáveis cobrando o andamento das investigações, não só deste caso, mas de tantos outros que sequer chegam ao nosso conhecimento.

O Brasil é um dos países que mais mata ambientalistas no mundo, extermina pessoas negras a cada 23 minutos e mata indígenas, aldeados ou não, em condições subumanas. Fora questões como o racismo ambiental e o aumento do desmatamento na Amazônia que não podem ser negligenciadas.

Que possamos proativamente agir em benefício do país que queremos construir, ao invés de só reclamar e reproduzir as fake news que naturalizam mortes em nome de Jesus. Se Deus representa amor, isso que tem sido disseminado por aí por tantos “cidadãos de bem” está bem longe disso. Precisamos desnaturalizar as mortes, o desmatamento, a inércia e a nossa comoção seletiva. Passos essenciais para termos um projeto de país que vá para além do Brasil-colônia.

QUE POSSAMOS PROATIVAMENTE AGIR EM BENEFÍCIO DO PAÍS QUE QUEREMOS CONSTRUIR, AO INVÉS DE SÓ RECLAMAR E REPRODUZIR AS ‘FAKE NEWS’ QUE NATURALIZAM MORTES EM NOME DE JESUS

Ela

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2022-06-26T07:00:00.0000000Z

2022-06-26T07:00:00.0000000Z

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