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DIVERSIDADE

INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTQIAP+ CRIAM SEUS PRÓPRIOS SÍMBOLOS PARA REIVINDICAR REPRESENTATIVIDADE E AMPLIAR A IDENTIFICAÇÃO ENTRE OS PARES

Por EDUARDO VANINI

Dois anos antes de sua morte, em 2017, o designer americano Gilbert Baker concedeu uma entrevista ao Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, após a instituição incorporar à sua coleção o trabalho mais célebre assinado por ele: a bandeira em forma de arco-íris, até hoje identificada como referência LGBTQIAP+. “Precisávamos ter algo que nos encaixasse em um símbolo, o de que somos pessoas, uma tribo”, disse, à época, sobre a inspiração. “E as bandeiras são sobre proclamar poder. Logo, são muito apropriadas.”

O design jamais foi registrado por ele, numa atitude que parecia prever como aquelas linhas coloridas tinham vida própria. Criado em 1978 para o Dia de Liberdade Gay de São Francisco, na Califórnia, o desenho sofreu alterações já nos anos seguintes, quando passou de oito cores para seis. Mais recentemente, outros grupos começaram a sugerir uma nova versão, que proporcionasse ainda mais representatividade. Isso seria feito a partir da inclusão de listras, cores e símbolos que fizessem menções diretas a populações como pessoas transexuais, intersexo e negras. O modelo circula por aí, mas não pegou como o primeiro. Enquanto isso, conforme avançam os debates de gênero e identidade, diferentes grupos minoritários passaram a criar suas próprias bandeiras (listamos algumas ao longo das páginas), num esforço para aumentar a identificação e a representatividade.

Nada disso, porém, tem a ver com um movimento de ruptura dentro do grupo LGBTQIAP+. “As bandeiras, assim como as letras que foram incorporadas à sigla nos últimos anos, criam um senso de comunidade. As pessoas conseguem se conectar, refletir e fazer reivindicações sobre suas próprias necessidades”, afirma o publicitário e produtor de conteúdo Cup, de

25 anos. Dono do perfil @apenascup no Instagram, no qual é seguido por 17 mil pessoas, ele (ou ela, já que se identifica como agênero, além de assexual e pansexual) se especializou em destrinchar essa temática com vídeos curtos e didáticos.

Cup começou a se aprofundar no assunto ainda na adolescência, quando buscava uma compreensão mais assertiva de sua própria identidade sexual e de gênero. “Não encontrava discussões que fossem além da binaridade (homem e mulher) no Brasil. Como estudei inglês, acabei encontrando isso em fóruns criados em outros países”, conta, citando o youtuber americano Ash Hardell como uma de suas inspirações.

Justamente desses grupos estrangeiros partem algumas das novas bandeiras agitadas por aí, afirma Cup. Em muitos casos, as comunidades mais proeminentes abrem um debate sobre a criação de um símbolo e, em seguida, iniciam uma votação. “A bandeira assexual, por exemplo, surgiu a partir de um dos fóruns mais consolidados sobre esse grupo, o Aven, que se uniu a outros para defini-la”, menciona.

Também há criações com autorias atribuídas a uma única pessoa, como o caso da bandeira intersexo, assinada pelo ativista australiano Morgan Carpenter. Em seu site, ele conta ter materializado a ideia em 2013, diante do incômodo que sentia com os símbolos usados até então para representar seus semelhantes. O círculo roxo sobre o fundo amarelo não tem interferências para passar a ideia de totalidade. Isso não apenas evita fazer alusão a “estereótipos de gênero, como rosa e azul, mas procura eliminar completamente o uso de símbolos que tenham algo a ver com gênero”.

A ideia correu o mundo e já foi assimilada por pessoas iniciadas no debate identitário. Uma das vozes mais conhecidas sobre as pautas intersexo no Brasil, o sociólogo Amiel Vieira aderiu não só à bandeira, como utiliza suas cores na comunicação visual de seu perfil no Instagram @ointersexo. Além de adotá-la, ele também é entusiasta das mudanças no modelo mais famoso usado para simbolizar a população LGBTQIAP+. “A bandeira não é um instrumento estático, como foi por muito tempo dentro do movimento”, argumenta. “Trata-se de uma forma de agregar questões importantes, principalmente quando falamos não só de identidade de gênero e de orientação sexual, mas também sobre pensarmos num mundo que inclui as diferenças e compreende o quanto elas precisam ser destacadas. Então, o modelo com seis cores não é suficiente.”

“A BANDEIRA NÃO É UM INSTRUMENTO ESTÁTICO, COMO FOI POR MUITO TEMPO” AMIEL VIEIRA, SOCIÓLOGO

Embora toda essa multiplicidade parta de um movimento espontâneo, do ponto de vista do design, é possível notar a presença de um padrão entre boa parte das novas criações. A observação é feita pelo designer e professor da PUC-Rio Joaquim Redig, que estuda a simbologia de bandeiras há mais de 20 anos. “A predileção pelas linhas horizontais se revela estratégica, a partir do momento em que passa a ideia de uma caminhada conjunta. É como se uma reforçasse a outra”, analisa.

A lógica faz sentido dentro de uma premissa destacada pelo secretário da Associação da Parada do Orgulho LGBT de

São Paulo, Diego Oliveira. Segundo ele, as novas bandeiras não devem ser lidas como oposição ao tradicional arco-íris, mas sim dentro de uma máxima de coexistência. “A versão com as seis cores representa a diversidade de uma maneira eficiente”, afirma. “Do mesmo jeito, utilizamos as demais na hora de nos referir a grupos específicos, como nos dias da visibilidade trans ou da visibilidade lésbica, em nossa comunicação. Representatividade é importante e faz bem para a autoestima.”

Nesse sentido, Alexandre Cadilhe, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, lembra que, ao falar das bandeiras, é importante manter em vista as narrativas implícitas presentes em cada uma. “Quando algo do tipo é instituído, significa que os indivíduos ali representados se organizaram coletivamente, e isso construiu uma unidade”, afirma o acadêmico, que coordena o grupo de pesquisa Linguística

Aplicada, Educação e Direitos Humanos. “Guardada numa gaveta, uma bandeira não faz nada. Mas, quando hasteada ou exibida em punhos num ato, faz muito sentido. Torna-se um dos dispositivos mais adequados para indicar as reivindicações políticas em questão.”

Gi Morales, que reúne 24 mil seguidores no seu perfil @generofluidobr no Instagram, afirma que isso pode ser observado no próprio andamento de algumas pautas nos últimos anos. A diversidade de bandeiras, na opinião dele, dialoga com as alterações na própria sigla LGBTQIAP+. “Muitas conversas que temos hoje não teriam acontecido se algumas letras não estivessem ali”, afirma, citando como exemplo a retificação de nomes e todo o debate em torno do uso de pronomes.

Ele mesmo se vê representado por quatro dessas bandeiras: transexual, não-binário, gênero-fluido e pansexual. “Cada uma tem um peso social e abriga lutas específicas. Então, essa segmentação é importante para nos organizarmos e lutarmos pelos nossos direitos.”

“REPRESENTATIVIDADE É IMPORTANTE E FAZ BEM PARA A AUTOESTIMA”

DIEGO OLIVEIRA, SECRETÁRIO DA ASSOCIAÇÃO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE SÃO PAULO

Ela

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