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DESCOBERTA JOGA LUZ SOBRE A INVASÃO HOLANDESA NA BAHIA

RECÉM-ADQUIRIDO PELA COLEÇÃO FLÁVIA E FRANK ABUBAKIR, MAPA DE 1624 PODE SER O PRIMEIRO REGISTRO CARTOGRÁFICO DE SALVADOR; ACERVO É CENTRADO NA DOCUMENTAÇÃO E ICONOGRAFIA LOCAIS

NELSON GOBBI nelson.gobbi@oglobo.com.br SALVADOR O repórter viajou a convite da Coleção Flávia e Frank Abubakir

Fato histórico pouco difundido no Brasil, a invasão holandesanaBahia,em1624,anterior à pernambucana, ganhou uma importante fonte de pesquisa, com a descoberta do que pode ser o primeiro mapa da cidade de Salvador, datado do mesmo ano. Recém-adquirido pela Coleção FláviaeFrankAbubakir,sediada na capital baiana, um atlas com 79 mapas do século XVII traz em uma de suas pranchas uma planta da cidade, com vias abertas que ainda coincidem precisamente com as do atual centro histórico.

O mapa teria sido desenhado por um engenheiro militar chamado Joos Coecke, que participou, aos 38 anos, da invasão de Salvador por uma esquadra de 26 navios e cerca de 3,4 mil holandeses —a cidade só foi retomada em 1625, por uma armada luso-espanhola de mais de 50 navios, após 40 dias de batalha. O atlas foi comprado este ano por Frank Geyer Abubakir, presidente do conselho da empresa química Unipar Carbocloro, que espera desde 2001 para tê-lo na coleção.

— Comecei negociando com um importante livreiro, da Holanda, e terminei concluindo a compra com seu filho, 20 anos depois. No início, não teria condições de comprar todo o álbum. De tempos em tempos, tentava encaixar uma outra proposta. Passaram-se os anos e ninguém comprou, até que o filho assumiu o negócio e chegamos a um bom termo — explica Abubakir. — Comprei a obra na perspectiva de ser um manuscrito singular, mas já nas primeiras pesquisas ele mostrou ter essa importância histórica ainda maior.

EPISÓDIO GLOBAL

O álbum está guardado na casa de Abubakir em Crans Montana, na Suíça. Lá ele foi analisado pelos historiadores Pablo Iglesias Magalhães (UFOB/UFS) e Lucia Furquim Werneck Xavier (USP), que atualmente pesquisam documentos relacionados ao mapa em instituições de Amsterdam, como a Biblioteca de Haia. A partir de relatos da época, colhidos após a retomada de Salvador, foi possível atestar que Coecke realmente esteve na Bahia e que pode ter sido responsável pelo sistema de fortificação descrito no mapa. —Os relatos fizeram parte de um processo militar que investigou quem retornou da Bahia após perder a posição para as forças luso-espanholas — destaca Lucia, por videoconferência. — A descoberta do mapa e suas descrições trouxeram as pistas de onde poderiam estar estes documentos sobre a invasão holandesa.

— Sou soteropolitano, e a vida inteira a gente ouviu, meio que como lenda, que o Dique do Tororó foi construído pelos holandeses. Agora ficamos mais perto de comprovar. Aquelas foram as maiores obras de engenharia da colônia no século XVII, tanto que várias foram aproveitadas pelos portugueses depois da retomada — complementa Magalhães. Por enquanto, o mapa seguirá na Suíça para pesquisas. Sua vinda para o Brasil poderá se relacionar a futuros projetos, como a efeméride dos 400 anos da invasão holandesa, em 2024. Na coleção, ele estará acompanhado de pinturas, desenhos, manuscritos e livros raros, que remontam à história baiana desde o século XVII. Do acervo de cerca de 50 mil itens, alguns o empresário mantém no espaço construído junto a seu escritório, a exemplo de pinturas de Jean-Baptiste Grenier, fotos de Rodolpho Lindemann ou livros raros, como “Istoria delle guerre del regno del Brasile” (1698), de João José de Santa Teresa. O acervo está sendo digitalizado e, por ora, está disponível apenas para pesquisadores, mas há planos para um site aberto ao público. O colecionismo surgiu a partir do contato de Abubakir

com os avós, Maria Cecília e Paulo Geyer, que reuniram, por mais de 40 anos, as mais de 4,2 mil obras da coleção que leva o nome da família. Após a morte dos avós, o acervo e a Casa Geyer, antiga residência da família no Cosme Velho transformada em museu (com abertura prevista para 2023), foram doados ao Museu Imperial, de Petrópolis.

PAIXÃO PELAS PINHAS

Há 25 anos, Abubakir comprou as primeiras gravuras e impressões em casas de leilão da Europa e EUA, o que segue fazendo com frequências através de sites especializados. Com a mudança para Salvador, onde mora com a mulher, Flávia, e as duas filhas, o empresário decidiu centrar a coleção na documentação e iconografia baianas. —A partir da minha relação com a Bahia, decidi criar uma coleção aprofundada neste aspecto. Busquei construir um acervo qualitativo, mais na questão da raridade do que dos valores, propriamente — comenta Abubakir. — Os valores não são altíssimos, são itens que já foram mais caros há uma ou duas gerações. E, quando aparece algo relacionado à Bahia, muita gente já conhece o perfil da coleção e me oferece direto.

Da avó, Abubakir também herdou o gosto pelas pinhas, objetos decorativos artesanais feitos de vidro ou cristal em países como Itália e França, que ganharam destaque como itens colecionáveis na segunda metade do século XIX. A coleção, mantida em seu apartamento, conta com cerca de 500 itens, a maioria datada do século XIX. — Minha avó vez ou outra me dava uma de presente, fui formando uma pequena coleção. Um dia, soube que um casal de idosos da França queria se desfazer de seu acervo com 70 itens, mas só aceitava vender o pacote fechado. Eu arrisquei e torci para que todas viajassem inteiras, e seis meses elas depois chegaram intactas o Brasil — conta o empresário. — Hoje tem um pouco de tudo, desde peças de leilão às compradas em mercado de pulgas. Elas se integram à vida da casa.

Segundo Caderno

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2022-06-26T07:00:00.0000000Z

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