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Lesões marcam o ano no tênis

Mecânica do esporte se transforma em tormenta para profissionais na reta final da carreira, como Nadal, e mesmo depois

ABERTO DE WIMBLEDON

Andre Agassi desperta e, ainda atordoado, percebe-se deitado no chão. Aos poucos, lembra-se de que se esticara ali no meio da noite para mitigar o impacto do colchão macio em suas costas. Tosse, geme, vira de bruços. Até que principia a levantar. O episódio, narrado na autobiografia do americano, aconteceu durante o US Open de 2006, quando ele tinha 36 anos. Mas não foi um caso isolado, e sim uma de tantas provações que precisou superar na reta final da carreira. E que mostram como o tênis cobra um preço alto dos que o praticam em alto rendimento. Situação semelhante vive Rafael Nadal, cuja estreia em Wimbledon, que começa amanhã, será diante do argentino Francisco Cerundolo. O espanhol de 36 anos, campeão do Australian Open e de Roland Garros neste ano, esteve perto de desistir do Grand Slam britânico por conta da lesão crônica no pé esquerdo. Enquanto Agassi tinha a situação agravada pela espondilolistese lombar, distúrbio em que uma das vértebras da coluna desliza sobre a outra, Nadal é atormentado pela síndrome de MüllerWeiss, condição degenerativa que afeta o osso do pé. O castigo ao corpo no alto rendimento é inevitável, e o tênis tem particularidades que agravam essa condição. Por ser um esporte individual, já demanda mais do atleta, uma vez que não há substituição em quadra. Além disso, a modalidade é um negócio rentável e midiático. Ou seja, as estrelas precisam estar em ação, uma vez que ganham por premiação e via patrocinadores. Ao contrário do futebol ou da NBA, por exemplo, nos quais os craques podem ser poupados ao longo dos campeonatos ou no próprio jogo sem que os salários deixem de ser pagos.

MÚLTIPLOS OBSTÁCULOS

Todos os tipos de pressão, seja do próprio jogador em busca de uma marca pessoal ou do modelo de negócios, pesam na hora de decidir a participação nos torneios, mesmo que a avaliação clínica recomende descanso.

— A exigência de performance e o business nem sempre permitem que as lesões sejam tratadas no tempo correto ou que haja descanso para evitar uma lesão futura. Aí, entra-se num ciclo vicioso. O atleta se torna refém do analgésico, que tira o estímulo da dor, continua jogando, mas a lesão permanece — explica João Felipe Franca, médico do exercício e do esporte da Clinimex.

O ideal é que a decisão seja tomada em consenso entre a equipe multidisciplinar. O especialista em fisioterapia esportiva Ricardo Takahashi, que atuou nas últimas três Olimpíadas, diz que ninguém deve ter exclusivamente a palavra final. — Deve-se seguir os protocolos de tratamento e de prevenção. A partir disso, observar o comportamento do atleta, fazer o monitoramento e respeitar o tempo necessário. O ideal seria que os contratos com os patrocinadores tivessem cláusulas específicas em caso de lesão, dando o tempo de tratamento necessário —orienta Takahashi, que hoje trabalha com a medalhista olímpica Luísa Stefani. — Mas o que acontece é que há pressão de todo mundo, tentamse intervenções, não se sabe o que está dando certo. Isso prejudica todo o trabalho. Do ponto de vista científico, o tênis é um esporte de repetição de movimentos com uma sobrecarga em regiões que, anatomicamente, não foram projetadas para isso. Franklin de Camargo, especialista em biomecânica e consultor do Comitê Olímpico do Brasil, ressalta que os saques e os golpes de fundo têm mecânicas de movimento e força que propiciam lesões. —No serviço, há uma rotação interna do ombro e movimento de punho. São estruturas musculares que não estão projetadas para uma atividade de tanta força e potência. Nos golpes de fundo, há a necessidade de estabilização do tronco exigida de forma repetitiva — explica Camargo. — E o tênis é uma atividade altamente assimétrica, predominantemente com membros superiores, que vão gerar assimetrias musculares no corpo todo. Assim, o corpo vai tendo fadiga pelo desequilíbrio muscular, o que aumenta o risco de lesões. Entre as mais comuns, que prejudicam ou encurtam carreiras, estão as de membros superiores, principalmente de ombros e cotovelos, com quase 50% de incidência, e nos membros inferiores, com 43,2%, de acordo com Takahashi. Após o título em Paris, Nadal passou por tratamentos de radiofrequência. Na última semana, quando disputou jogos preparatórios, disse que as dores diminuíram. Wimbledon será a prova.

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2022-06-26T07:00:00.0000000Z

2022-06-26T07:00:00.0000000Z

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