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Interferência é uma praxe de Bolsonaro

MÍRIAM LEITÃO

Aprisão de Milton Ribeiro, o impedimento de transferi-lo para Brasília, o protesto do delegado de que não tinha autonomia, os áudios em que o ex-ministro diz que foi informado pelo presidente da República de que sofreria busca e apreensão, tudo é muito contundente. E é mais forte porque são novos indícios da mesma suspeita, a de interferir na Polícia Federal para proteger a família e os amigos. Foi ele mesmo que disse isso com todas as letras e depois passou a fazer exatamente o que já havia anunciado. Vale a pena ouvir de novo o que Bolsonaro afirmou, em tom colérico, naquela reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cujo áudio foi divulgado pela Justiça. Ele é explícito no seu projeto de governo de não obedecer a nenhum dos limites legais. E até os palavrões, que nunca frequentam este espaço, precisam ser transcritos para nos lembrarmos da dimensão do que o presidente confessa estar fazendo:

—Eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios sem exceção. Eu tenho a PF que não me dá informações. Todo o serviço de informação que não me dá informação… E é putaria o tempo todo mexendo com a minha família para me atingir. Tentei trocar gente nossa no Rio de Janeiro e não consegui. Vou esperar foder a minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança? Vai trocar. Se não puder trocar, troca o ministro. Eu vou interferir e ponto final. O projeto Bolsonaro era este desde o início. Amigo dele ou membros da família dele seriam protegidos pela Polícia Federal, na qual ele tentava interferir. O então ministro Sergio Moro disse não ao pedido que ele fez —“você tem 27 superintendências, eu só quero uma” — e por isso saiu do governo. Houve já quatro diretores-gerais da Polícia Federal, incluindo Alexandre Ramagem, que teve sua posse suspensa pelo STF. O superintendente do Rio também foi mudado quatro vezes. E a Polícia Federal, apesar de tudo isso, concluiu o inquérito afirmando que não há elementos de crime na conduta de Bolsonaro. Ele não poderia ter sido mais claro, nem mais grosseiro, ao dizer que, sim, estava interferindo.

Agora há novas informações na esteira de um escândalo que tem todos os elementos dos malfeitos deste governo, mistura religião com questões de Estado e ainda desvia o órgão, no caso do MEC, de sua função. Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura foram enviados pelo Palácio do Planalto ao Ministério da Educação, tomaram decisões sobre destino de dinheiro público e pediram propina. Quando eles estavam para ser presos pela PF, Bolsonaro, dos Estados Unidos onde estava para a Cúpula das Américas, ligou para o ex-ministro para passar a ele informações sigilosas. “O presidente me ligou, ele acha que vão fazer busca e apreensão”, Ribeiro disse à filha. Parte da máquina resiste às violentas interferências indevidas do presidente, tanto na administração direta quanto nas empresas públicas. Bolsonaro demitiu já três presidentes da Petrobras, com o objetivo de controlar preços na estatal. Na sexta-feira foi aprovado o nome do quarto presidente da empresa, Caio Paes de Andrade. “Até agora a governança da empresa tem resistido às pressões e assédios do presidente. Mas até quando?”, me disse um expresidente da companhia. Bolsonaro não respeitou qualquer institucionalidade, fora e dentro do Poder Executivo. Capturou a Procuradoria-Geral da República ao instalar no cargo um PGR submisso aos seus desejos. Usa as Forças Armadas para tentar atemorizar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há indícios de interferência na Receita Federal, com o mesmo objetivo de proteger familiares. São muitos os exemplos desse modo autocrático de governar. Faltando 98 dias para as eleições, o presidente Bolsonaro ameaça quebrar mais leis para tentar se manter no páreo. O escândalo pode não afastar seus seguidores fiéis, mas vai cristalizar ainda mais a polarização, colocando um teto para Bolsonaro. Todos os presidentes que disputaram a reeleição venceram. Bolsonaro segue um caminho diferente. Em junho/julho dos anos de disputa de reeleição como estavam os presidentes, pelo Datafolha? Em 1998, Fernando Henrique tinha 34%, contra 30% de Lula, e venceu no primeiro turno. Em 2006, Lula tinha 44%, e Alckmin, 28%. Em 2014, Dilma tinha 34%, e Aécio, 19%. Nenhum deles estava atrás do seu oponente. Bolsonaro está 19 pontos atrás. E agora um escândalo estourou no colo dele.

Desde o início, o projeto de Bolsonaro era este: interferir em qualquer órgão da República para proteger os seus interesses

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2022-06-26T07:00:00.0000000Z

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