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DISCO TRAZ TESTAMENTO MUSICAL DE BENI BORJA, UM ARQUITETO DO ROCK

BERNARDO ARAUJO bernardo.araujo.rpa@oglobo.com.br

No próximo dia 21 de fevereiro será lançado o primeiro disco de Beni Borja, “No meio do caminho”. A cruel ironia é que Beni, baterista original do Kid Abelha, ex-empresário do Biquini Cavadão e homem da música

lato sensu, não estará presente em um momento tão importante de sua longa carreira: ele sofreu um infarto fulminante enquanto dirigia na estrada Rio-Teresópolis (ele morava na serra), na véspera de Natal e morreu, para choque e tristeza de família e amigos. O disco já estava pronto, e o lançamento está marcado para o dia em que Beni faria 61 anos.

— Ele ficou anos gravando, era o caos — lembra, bem-humorada, a artista visual e compositora Júlia Debasse, filha de Beni, cujo marido, Rian Batista, trabalhou com o sogro na produção do álbum. — Das coisas todas que ele fazia, acho que o que ele mais gostava era mesmo de compor.

O cantor e compositor Leoni, que formou o Kid Abelha com Beni, conheceu bem todos os tentáculos musicais do amigo.

— A gente era amigo desde o Santo Inácio, na quinta série, lá pra 1972 —conta Leoni. — Fomos juntos para a PUC, estudar Direito, ele foi até o fim, eu larguei logo. Lá montamos o Chrisma, que seria o embrião do Kid Abelha.

Coautor de músicas como “Fixação” e “Hoje eu não vou”, Beni gravou a bateria em duas faixas de “Seu espião” (1984), disco de estreia do Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, e se mandou da banda.

—Ele não se entendeu bem com a história da fama — lembra Leoni. — E acho que se ressentiu um pouco de que a atenção de todo mundo ia para a Paula (Toller )epara mim, que era o compositor de quase todo o material. Na banda, não havia hierarquia, todo mundo era igual. Mas de fora as pessoas enxergavam de outra forma.

Uma lenda no rock carioca diz que a letra de “Como eu quero” foi inspirada na relação de Beni com a namorada: ela gostava de músicos, mas queria que eles tirassem a bermuda e ficassem sérios, tivessem empregos “de verdade”.

—Sim, foi uma das inspirações, ao lado de ideias do Elvis Costello sobre fascismo emocional —lembra Leoni. —Aquela coisa da pessoa que se apaixona pelo que ela projeta que o outro deveria ser, e não pelo que realmente é. A ideia da letra é mais da Paula, eu fiquei com a música.

Beni deixou o Kid e foi dar uma força para a banda do irmão de sua namorada à época, o baixista André Sheik. Foi ele quem insistiu para que o quarteto gravasse o compacto com “Tédio” e levou a fita para a rádio Fluminense FM.

—Não tenho bem certeza se foi ele que levou o Herbert para gravar a música, mas acho que sim — conta Bruno Gouveia, cantor do Biquini Cavadão, a tal banda que estourou a partir de “Tédio”, cuja guitarra foi gravada pelo titular dos Paralamas, à época namorado de Paula Toller. —O Carlos Coelho só foi entrar alguns meses depois, a gente não tinha guitarrista. Fizemos até um show assim, com voz, baixo, teclado e bateria.

COUNTRY MUSIC TELEVISION

Empenhado no sucesso do Biquini, Beni se tornou produtor e empresário da banda, cujo disco de estreia, “Cidades em torrente”, sairia em 1986.

— Ele ficou conosco até o disco “Biquini.com.br”, de 1998, e participou de uma fase muito popular da banda, de músicas como “Zé ninguém”, “Timidez” e “No mundo da lua” — lembra Bruno. — A gente deve a ele boa parte do sucesso de “Vento ventania”: a música tinha um andamento acelerado originalmente, e ele insistiu para que a gente gravasse numa levada mais lenta, para valorizar a letra e a melodia. É um dos nossos maiores sucessos.

Beni ainda trabalhou bastante com Leoni, de quem foi empresário e parceiro em muitas canções, e é personagem do livro autobiográfico “É impossível esquecer o que vivi” (Editora Chiado), de Bruno Gouveia. Um “grande generalista”, como define Leoni, ele trabalhou na Country Music Television e foi empresário de Gabriel O Pensador (na época do surgimento, com “Tô feliz (Matei o presidente)” e do Farofa Carioca. Em “No meio do caminho”, ele canta um rock com tintas de blues, em músicas como “A chave”, “Entre na fila” e “Cacarecos”.

—É um disco de crônicas, não cai na armadilha do pop fácil —diz Bruno. — Eu ofereci ajuda, dei palpites, ele gostou, mas quis fazer tudo sozinho. Era um disco de afirmação.

Em alguns momentos, a voz de Beni lembra a de Raul Seixas.

— Todo mundo diz isso! — diverte-se a filha Júlia, mais velha de uma coleção de quatro. — Eu ainda não consigo ouvir o disco, eu desidrato.

COMPOSITOR, MÚSICO E PRODUTOR MORTO EM DEZEMBRO TERÁ ÁLBUM DE ESTREIA LANÇADO EM FEVEREIRO, QUANDO FARIA 61 ANOS

Segundo Caderno

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