Infoglobo

Maria Rita: Cantora fala dos 20 anos de carreira e diz que ninguém se compara a Elis

NOS 40 ANOS DE MORTE DA CANTORA, MARIA RITA DIZ QUE ESTA É A ÚLTIMA VEZ QUE ABORDA O ASSUNTO: ‘ESTOU CANSADA DE RESPONDER SE COMPARAÇÕES ME INCOMODAM’

LUIZ FERNANDO VIANNA

Todo 19 de janeiro, como hoje, é difícil para Maria Rita. É o dia em que sua mãe morreu. Ela admite que as datas redondas são piores. Emociona-se ao pensar que, em 2022, já são 40 anos sem Elis Regina:

— É um lamento muito profundo por eu não ter conhecido essa mãe como eu merecia ter conhecido.

No último dia 12, decidiu não se calar no Twitter diante de comentários que a comparavam negativamente com a mãe. Pretende encerrar o assunto com esta entrevista.

— Prometi para mim mesma que eu não ia mais falar sobre isso. Esta é a última vez —afirma. —Não me oponho a falar da minha mãe. Mas, para responder se as comparações me incomodam, estou cansada. Não vejo mais por que ficar nessa conversa. Tenho 20 anos de carreira, oito Grammys Latinos, minha carreira está sólida, tenho muita coisa para fazer.

Também escreveu no Twitter: “Eu só quero buscar alguma paz dentro desse cenário em que a Elis é de todos, mas a mãe é minha.” E, para reforçar que não imita Elis, usou letras maiúsculas para tocar num ponto delicado: “EU NÃO LEMBRO DE MINHA MÃE. Zero. Zero lembrança.” Tinha 4 anos quando a mãe morreu aos 36, após uma noite em que misturou álcool e drogas:

— Não me lembro da voz, do cheiro, do toque, de nada. A terapeuta que me atendia em São Paulo (a cantora está morando no Rio)

acha que pode ter a ver com o trauma: “Sua mãe botou você para dormir e, quando acordou, você não tinha mãe. Isso não é coisinha pouca. E não importa se é Elis Regina ou não.” É um rompimento muito violento, muito agressivo.

No desabafo na rede social, escreveu frases como “ninguém se compara à incomparável” e “e eu acho que canto pra c ***** o!!! Mas não chego aos pés de dona Elis. MAS E QUEM CHEGA?” Faz coro com quem considera a mãe a maior cantora que já houve no Brasil.

— É tipo Ella Fitzgerald. Quando ouço Ella, eu falo: não é normal. Eu sou normal. Sou apenas muito boa no que faço. Sou talvez das melhores. Hoje posso afirmar isso. E muito dessa segurança veio depois do

(show) “Redescobrir”. Por causa da qualidade do repertório, da riqueza harmônica, melódica, poética.

EM FAMÍLIA

“Redescobrir”, montado apenas com o repertório de Elis, estreou em 2011, quando dos 30 anos da morte. O que seriam cinco apresentações virou turnê nacional. Maria Rita recebeu uma caixa de CDs para escolher o que cantaria.

— Não ouço (Elis )nodiaa dia —conta. — Conheço o repertório da minha mãe, até porque fiz o “Redescobrir”. Mas não foi um mergulho. Não estava pesquisando para uma personagem. Ouvia uma vez e separava as de que eu gostava.

Na lista entraram duas que ela já conhecia bem: “Morro velho”, de Milton Nascimento, e “Romaria”, de Renato Teixeira. O que não tinha na cabeça é que ambas foram gravadas quando a mãe estava grávida dela, no disco “Elis”, em 1977. E Maria Rita fez a turnê grávida de Alice, filha do músico Davi Moraes.

—A importância do show foi entender que nível de intérprete eu posso ser —explica. — Isso é no aspecto CNPJ. No CPF, eu trouxe a avó para casa. Fiquei cantando com a minha filha na barriga. E era uma menina. É muito bonito tudo isso. Não é para virar essa novela mexicana de péssima qualidade. É para ser celebrado.

Alice, com 9 anos, “acha vovó Elis linda”, segundo Maria Rita, também mãe de Antonio, de 18. “Como é linda, mamãe!”, diz a menina diante de fotos:

— Ela me acha parecida com minha mãe. Às vezes toca alguma música no rádio ou num restaurante, e ela pergunta: “Mãe, essa é você ou é a vovó?” Eu digo: “É a vovó.” Um dia ela vai entender a diferença.

Maria Rita terá a chance de explicar com calma à sua filha quem foi a avó. Foi diferente com ela, que soube de supetão como Elis Regina morreu. Numa vez em que seu pai, o pianista Cesar Camargo Mariano, viajou com a mulher, ela aproveitou para abrir um livro sobre a mãe. Era um pequeno volume de uma coleção de grandes figuras nascidas no Rio Grande do Sul.

— Foi bem ruim — recorda. — Na adolescência é quando a gente descobre que nossos pais não são perfeitos. E foi quando eu descobri tudo. Descobri sozinha, sem amparo. Não entendi, fiquei confusa demais.

MEDO DO DESCONTROLE

Diz que, primeiramente, temeu pela carga genética que pudesse carregar, já que a dependência química pode ser hereditária. Mas o mergulho de Elis na cocaína foi tão rápido e intenso, apenas nos últimos anos de vida, que fica difícil medir se era algo impresso no DNA.

— A gente busca não julgar o outro. Mais velha, vivendo a minha vida, nesse meio da música, casada, dois filhos, com todos os desafios da vida adulta de uma mulher numa sociedade machista, eu entendi. Entendi a fuga, entendi a busca, entendi a insegurança —afirma.

Ela diz ter “pavor de drogas”, não fuma e “bebe socialmente”:

— Tenho medo do descontrole. Se tivesse tido a

MARIA RITA, QUE ESTREOU FAZENDO BARULHO EM 2002, MANTÉM SEGREDO SOBRE PROJETO QUE VAI MARCAR 20 ANOS DE CARREIRA: SAMBA ‘E OUTRAS COISAS’

oportunidade de conviver com a minha mãe, seria uma dúvida que eu teria de tirar com ela: como uma mulher tão determinada, tão forte, permitiu-se perder o controle? Mas aí tem a adicção, que é uma das piores doenças. É um sofrimento monstruoso para a família, para a pessoa.

Quando fala em “sociedade machista”, é por acreditar que isso teve um peso na fama de temperamental que sua mãe carregou —e carrega:

— Era um ser humano que tinha suas falhas, com um senso de humor ácido, personalidade difícil. Mas muito do que as pessoas veem tem relação com a força da mulher, a intensidade. A mulher é sempre a louca, a difícil.

Maria Rita assegura que, quando começou a fazer shows, em 2002, não tinha consciência do que significava querer ser cantora sendo filha de Elis Regina. Não foi um caminho profissional premeditado. Tinha se formado em Comunicação Social e estudado nos Estados Unidos para ser advogada de entretenimento. Cuidaria da carreira de artistas, por exemplo. Estava no Rio trabalhando como assistente de um estúdio de gravação quando os rumos mudaram.

—Eu estava no lugar certo e na função errada. Precisava cantar, senão ia entrar em depressão.

Estreou em discos em 2003 com estardalhaço. O CD “Maria Rita” vendeu mais de um milhão de cópias no mundo e rendeu os primeiros três de seus oito Grammys Latinos.

—No início, eu tinha visão de túnel: só queria saber de abrir a boca e cantar. Não entendia bem o que acontecia. Eu chegava aos lugares com uma entourage de dez pessoas. Percebi o absurdo num programa da Hebe Camargo em que quase me arrancaram dos braços da Angela Maria, que estava emocionada falando comigo. “Peraí, se não fosse a Angela Maria eu não estaria aqui” — conta, citando a cantora preferida de sua mãe.

Foi, aos poucos, tomando conta do próprio destino profissional. Mas garante que, do primeiro disco ao mais recente, nunca cantou algo que não quisesse.

EU CANTO SAMBA

De 2014 para cá está dedicada quase que exclusivamente ao samba, algo que já apontara em 2007 com “Samba meu”. E diz estar certa de que o samba é o seu lugar. Um dos shows que apresenta é o “Samba da Maria”. Outro, mais diversificado, é um de voz e violão (de Leandro Pereira) concebido para os tempos de pandemia. E prefere ainda manter segredo sobre o projeto com que festejará os 20 anos de carreira. Mas terá samba, “entre outras coisas”.

Apesar do desabafo que fez no Twitter, não deixará de ser atuante nas redes sociais. No Instagram, tem 596 mil seguidores. Recentemente, perdeu dois mil quando publicou uma foto anti-Bolsonaro.

—É difícil ser otimista hoje. A gente tinha conseguido pequenos avanços no país, mas nestes três anos recuamos 30 em vários aspectos —lamenta.

Primeira Página

pt-br

2022-01-19T08:00:00.0000000Z

2022-01-19T08:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/282273848735691

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.