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Rio aposta na política para driblar pareceres

Castro não levará a Brasília proposta para mudar plano rejeitado por técnicos

GABRIEL SABÓIA, MANOEL VENTURA E SELMA SCHMIDT granderio@oglobo.com.br

O governador Cláudio Castro investe na boa relação com Bolsonaro para convencer o ministro Paulo Guedes, com quem se reunirá hoje, a apoiar o ingresso do Rio no novo Plano de Recuperação Fiscal, apesar de pareceres contrários. Especialistas criticam baixo impacto das medidas de ajuste.

Sem realizar ajustes no Plano de Recuperação Fiscal que foi vetado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o governador Cláudio Castro (PL) se reúne hoje em Brasília com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Correligionário do presidente Jair Bolsonaro, Castro aposta mais numa saída política do que técnica. Ele pedirá a Guedes que ignore os pareceres dos órgãos que hoje impedem o Rio de aderir ao acordo. Em ano eleitoral, o governador espera não ser necessário judicializar a questão — o que pode ser o próximo passo, caso a articulação não obtenha êxito, de acordo com o secretário estadual de Fazenda, Nelson Rocha.

— O próprio parecer deixa (a decisão) à conveniência e à oportunidade do ministro e do presidente. Paulo Guedes pode, simplesmente, ao compreender as nossas justificativas, entender que o Tesouro Nacional exagerou e tomar uma outra decisão — afirmou o secretário. —O parecer técnico do Tesouro, no nosso juízo, é equivocado. Desafio eles a dizerem onde nós erramos —completou.

Para os órgãos de controle da União, o plano apresentado pelo Palácio Guanabara para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) tem “premissas técnicas frágeis para promover o equilíbrio financeiro sustentado”. Mas, apesar de os pareceres colocarem em risco dez anos de alívio para os cofres estaduais, Castro diz que defenderá hoje, em Brasília, a proposta rejeitada.

— Temos que olhar os pontos dos quais os técnicos do Ministério da Fazenda discordam e ver se aqueles pontos estão na lei, não na interpretação. É isso que a gente vai dialogar — explicou o governador.

De acordo com o Ministério da Economia, a homologação do plano pode acontecer por ato presidencial, após manifestação favorável de Guedes. Nos bastidores, técnicos do Tesouro Nacional dizem que os pareceres contra a adesão do Rio só serão alterados por eles se o estado mudar o seu plano até sexta-feira — prazo considerado improvável de ser cumprido pelo ministério. Então, caberá a Guedes ou ao próprio Bolsonaro a decisão de ignorar ou não a análise feita por seus técnicos.

ADESÃO EM JUNHO

O Rio pediu adesão ao novo Regime de Recuperação Fiscal em 25 de maio de 2021. A solicitação foi deferida pela Secretaria do Tesouro Nacional dias depois, em 2 de junho. A partir daí, o estado obteve o direito de ficar 12 meses com o pagamento de sua dívida com a União suspenso, conforme a Lei Complementar 178/2021, de autoria do deputado Pedro Paulo Carvalho (DEM), atual secretário municipal de Fazenda. A 178 alterou a Lei Complementar 159/2017, que instituiu o RRF.

Nesse período de um ano, de acordo com a lei, o ente tem que apresentar seu plano para entrar no RRF (em até seis meses) e conseguir sua homologação. Mas esses prazos são confusos na legislação. Em 29 de dezembro de 2021, o estado apresentou sua proposta de plano ao Ministério da Economia. Pelo decreto 10.681, a União teria até 45 dias para decidir sobre a versão final da proposta.

Mas o que foi apresentado foi uma primeira versão, que poderia sofrer mudanças. Além disso, valem prazos de cinco dias para a contestação do estado — a partir de segunda-feira, quando foram divulgados os pareceres — e de dez dias para a decisão do ministro Paulo Guedes. O problema está no passo seguinte: a homologação final do plano cabe ao presidente Jair Bolsonaro, que não tem prazo para tomar essa decisão.

Pela lei do RRF, o Estado

do Rio ficará com suas dívidas suspensas até junho. Caso o plano não seja aceito, o governo fluminense terá que voltar a pagar os débitos, que chegariam este ano a R$ 24 bilhões — quase 30% do orçamento total. Mas, se Castro conseguir reverter os pareceres técnicos e o Rio for aceito, haverá um parcelamento de tudo que o Rio deve ao governo federal pelos próximos nove anos. No entanto, a situação é bem confortável para o Rio porque, neste momento, está em vigor uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspende esses pagamentos, de acordo com o site do Tesouro Transparente Nacional.

ALÍVIO CAIU PARA R$ 4 BI

Levantamento feito pela Secretaria estadual de Fazenda mostra que o pacote de medidas de austeridade inicialmente apresentado pelo governo do Rio à Assembleia Legislativa — base para o plano do RRF — possibilitaria uma economia de aproximadamente R$ 10 bilhões ao longo do cumprimento do regime. Com a aprovação de reajustes salariais e recomposições de perdas acumuladas desde 2017 para servidores, além de licenças criadas para compensar o fim dos triênios, o corte estimado caiu para pouco mais de R$ 4 bilhões em dez anos, um número considerado irrisório, ante a dívida total do Rio com a União, que supera R$ 176 bilhões.

Para o economista Claudio Frischtak, da Inter.b Consultoria e estudioso das finanças do estado, é difícil diante dos pareceres técnicos desfavoráveis, o estado conseguir uma decisão política que homologue a proposta apresentada:

— O plano que foi feito não é um programa com credibilidade, não é aceitável. O governador vai tentar uma opinião favorável do Paulo Guedes. Mas acho difícil ele contrariar seus técnicos. Também acho difícil o presidente da República ser contra a decisão de seu ministro. Não basta dizer: o governador é aliado e vou fazer. Talvez possa até incorrer em crime de responsabilidade. Acho que o estado já está trabalhando com a hipótese de recorrer ao Supremo para conseguir uma liminar.

Procurado, o Ministério da Economia não comentou as críticas do secretário Nelson Rocha.

“O próprio parecer deixa (a decisão) à conveniência e à oportunidade do ministro e do presidente. Paulo Guedes pode, simplesmente, ao compreender as nossas justificativas, entender que o Tesouro Nacional exagerou e tomar uma outra decisão em onde nós erramos”

Nelson Rocha, secretário estadual da Fazenda

“O governador vai tentar uma opinião favorável do Paulo Guedes. Mas acho difícil ele contrariar seus técnicos”

Claudio Frischtak, economista e estudioso das finanças do estado

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