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Mais de 60% dos casos de reação à vacina são psicológicos

Efeito ‘nocebo’, no qual efeitos adversos ocorrem por sugestão psicológica, responde por 76% dos relatos

RAFAEL GARCIA rafael.garcia@sp.oglobo.com.br

Mais de dois terços dos efeitos adversos relatados por pessoas após receberem uma dose de vacina da Covid-19 são explicados por um efeito psicológico, indica um novo estudo. A conclusão saiu de uma análise dos dados de mais de 22 mil voluntários de testes clínicos que receberam o imunizante, comparando com outros 22 mil que receberam placebo.

Segundo os autores do trabalho, do Centro Médico Beth Israel Deaconess, em Boston (EUA), apesar de episódios de mal estar como dor de cabeça, fadiga ou náusea serem reais em alguns casos, a maior parte deles é explicada por sugestões na mente dos recém vacinados. Esse fenômeno é conhecido entre pesquisadores como efeito “nocebo”, e é o oposto do conhecido efeito placebo, no qual uma pessoa é capaz de se sentir melhor por um estímulo psicológico.

Em um artigo publicado na revista JAMA Network Open, da Associação Médica Americana, os pesquisadores liderados pela médica Julia Haas mostram que em média cerca de 30% da população que se voluntariou para testes das vacinas em 2020 relatou algum tipo de reação ao imunizante. No entanto, muitos desses casos são psicossomáticos.

REAÇÕES MENORES

Uma das observações curiosas dos cientistas é o de que o número de relatos de eventos adversos diminuiu entre as aplicações da primeira e segunda dose para quem tomou placebo. Entre os voluntários que tomaram vacina, porém, ocorreu o oposto, e os casos em que foram descritas algumas reações aumentaram.

Isso foi verificado mesmo com os pesquisadores separando os efeitos locais da aplicação da vacina (a dor da agulhada) dos efeitos sistêmicos, que incluem variados sintomas de mal estar.

“A reação nocebo foi responsável por 76% dos eventos adversos sistêmicos após a primeira dose de vacina e por 51% após a segunda dose”, escreveram Haas e seus colaboradores.

Segundo os pesquisadores, a motivação para realizar a análise foi o receio de que relatos de efeitos colaterais da vacina estejam contribuindo para que alguns grupos de pessoas fiquem com medo de tomar o imunizante. Isso pode estar ocorrendo mesmo entre quem sabe que os efeitos adversos reais das aplicações em geral são amenos.

“Programas públicos de vacinação tiveram sucesso em reduzir o número de infecções em diversos países, mas uma proporção significativa da população (internacionalmente estimada em 20%) pretende recusar a vacinação”, diz Haas. “Apesar de as razões para a hesitação vacinal serem diversas e complexas, a preocupação com com potenciais eventos adversos das vacinas de Covid-19 parece ser um fator majoritário”.

Estudos já mostram que tanto o efeito placebo quanto o efeito nocebo parecem ocorrer de forma independente do grau de escolaridade ou informação das pessoas, e o sugestionamento pode ocorrer virtualmente com qualquer um. Os casos de mal estar relatados nas pesquisas, por isso, podem ser descrito como imaginários, mas são percebidos como reais por quem os sente.

Mas é possível tentar evitar que uma pessoa vacinada caia nessa armadilha psicossomática. Os cientistas recomendam que profissionais de saúde e cartilhas informativas avisem sobre essa possibilidade, ao menos no contexto dos testes clínicos.

“Por exemplo, adicionar informação simples e precisa sobre reações nocebo ao procedimento já ajudou a reduzir eventos adversos relacionados a medicação em uma outra população clínica (em um teste de antidepressivos)”, escrevem. “Ressaltar que a probabilidade maior é a de não experimentar eventos adversos pode ser benéfico”.

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2022-01-19T08:00:00.0000000Z

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