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Caribe amazônico ameaçado

Mudança de cor no Tapajós gera temor de poluição com garimpo e desmatamento

LUCAS ALTINO lucas.altino@oglobo.com.br

Desmatamento, garimpo e despejo de esgoto sem tratamento estão escurecendo o Rio Tapajós, ameaçando as águas cristalinas das praias de Alter do Chão, no Pará, conhecidas como o Caribe da Amazônia. Ambientalistas denunciam o problema há anos.

Ofuturo das águas cristalinas de Alter do Chão, conhecido como Caribe da Amazônia, está ameaçado. Neste fim de semana, fotos aéreas que mostram a escuridão do Rio Tapajós, já na área desse distrito de Santarém (PA), evidenciaram problemas denunciados por ambientalistas e moradores nos últimos anos. Segundo pesquisadores, a soma do aumento do desmatamento e de garimpo no rio com a falta de saneamento básico, mais as fortes chuvas do final de 2021, resultaram no cenário atual. No ano passado, em expedições do projeto Águas do Tapajós, pesquisadores identificaram a presença de toxinas no rio.

Em 2018, a Polícia Federal divulgou um laudo após perícia realizada na Bacia dos Tapajós que chamava a atenção para o “volume absurdo” de sedimentos, incluindo mercúrio e cianeto, lançados no rio através das atividades garimpeiras. Segundo o perito Gustavo Geiser explicou na época, o material lançado por 11 anos foi similar ao que foi liberado no rompimento da barragem de Mariana, com uma média de 7 milhões de toneladas de sedimento despejados anualmente.

—A tendência é daqui a alguns anos o Tapajós não ser mais o que ele é hoje, translúcido, bonito e cheio de peixes — alertou Geiser em 2018.

O garimpo no Tapajós se concentra 330 quilômetros acima da área onde fica Alter do Chão. Devido à distância, e à Cachoeira de São Luis, que está no meio do caminho e represa grande parte dos sedimentos, Santarém não costumava sofrer com essa poluição. Mas entre 2019 e 2021, um levantamento do Instituto Socioambiental identificou que houve um aumento de 363% de área degradada pelo garimpo na terra indígena Mundukuru, próximo a Jacareacanga, no Alto do Rio Tapajós.

No ano passado, a bióloga Dávia Talgatti, da Universidade Federal do Oeste do Pará, identificou toxinas em quantidade relevante nas águas de Alter do Chão. As toxinas são liberadas por cianobactérias, que vêm se proliferando com algas. A proliferação pode ter sido

“A tendência é daqui a alguns anos o Tapajós não ser mais o que ele é hoje, translúcido, bonito e _ cheio de peixes”

Gustavo Geiser, perito da Polícia Federal, em 2018

impulsionada pelo garimpo e pelo esgoto.

— Temos que cortar a origem do aumento das cianobactérias. É uma questão de saúde pública, essas toxinas causam problemas neurológicos, estomacais e dermatológicos —afirma Dávia.

A pesquisadora relaciona o aumento das chuvas como um dos prováveis fatores relacionados ao escurecimento do Tapajós. Mas cita como outras hipóteses de causa o uso irregular do solo, com o garimpo, a urbanização sem controle e a falta de saneamento básico, ligados ao aparecimento das cianobactérias.

— Essa mudança na coloração já vinha sendo notada há cerca de dois anos, mas agora explodiu. Alguns moradores ribeirinhos até dizem que percebem há mais tempo — acrescenta Dávia, que destaca também a contaminação do mercúrio, liberado pelo garimpo, nas águas do rio.

Integrante do Grupo de Ecologia Aquática da Universidade Federal do Pará, o pesquisador Tommaso Giarrizzo concorda que a coloração é resultado de diversas influências.

— A região de Alter do Chão vem sofrendo bastante com desmatamento para obras urbanas, devido à sua valorização. Evidente que não se pode atribuir uma única causa, há uma sinergia de atividades antrópicas que afetam e determinam características da qualidade da água nesse trecho. Com certeza o garimpo é um problema sério, mas é um dos numerosos problemas que temos nos rios amazônicos.

ESCURIDÃO INÉDITA

Para moradores de Santarém, a escuridão das águas, ainda que o fenômeno ocorra em períodos de chuva, atingiu um nível inédito. Nos últimos meses, um grupo de ativistas realizou sobrevoos ao longo do Rio Tapajós a fim de fotografar o trajeto dos sedimentos. Pelas imagens, é possível ver que a água escura vem de muitos afluentes que sofrem com as atividades de garimpeiros, como os rios Crepori, Rato e Jamaxim. A Cachoeira São Luis, que antes fazia uma barreira natural dos sedimentos, hoje não consegue mais impedir o avanço do material despejado pelo garimpo, que é rico em mercúrio, arsênico, chumbo e outros metais pesados prejudiciais à saúde.

Coordenador do Projeto Saúde e Alegria, que presta apoio médico e social a comunidades ribeirinhas, Caetano Scannavino vive em Santarém desde a década de 1980. Segundo Scannavino, nos seus primeiros anos na cidade, era possível encontrar a água escura, pois foi a época em que Itaituba, no alto do Tapajós, sucedeu Serra Pelada como o grande foco de garimpo do país. Mas não era tão barrenta quanto hoje, compara.

— Vemos o aumento absurdo de garimpo que atua fora da lei. Se de fato esse aumento estiver impactando o Baixo Tapajós, certamente trará problemas para saúde e para a economia da região, porque aqui há um potencial turístico tremendo — disse o coordenador.

Scannavino conta que moradores e empreendedores de turismo de Santarém vêm cobrando que as autoridades tomem medidas ao menos para analisar a água:

— Se não identificarmos a razão, fica mais difícil uma solução. Se for decorrente de fenômeno natural, como chuva ou mudanças climáticas, me preocupa ainda mais. A origem mais fácil de resolver seria o garimpo. Interrompendo a atividade, a natureza responde.

A prefeitura de Santarém não se manifestou sobre o problema.

“Alter do Chão vem sofrendo bastante com desmatamento para obras _ urbanas”

Tommaso Giarrizzo, Universidade Federal do Pará

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2022-01-19T08:00:00.0000000Z

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