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A SEGUNDA GERAÇÃO DO CRIME

COM COMPARSAS FORAGIDOS E PRESOS, ADRIANO PROCUROU MATADOR NOVATO

RAFAEL SOARES rafael.soares@extra.inf.br

Era madrugada quando um carro com pelo menos três ocupantes embicou na entrada do estacionamento de um hotel de luxo na Praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Um funcionário fez um sinal com o polegar para o motorista, e a porta da garagem se abriu. Lá dentro, dois homens encapuzados e armados com fuzis desembarcaram do veículo e foram em direção à escada. Subiram oito andares e seguiram, sem sequer olhar o número, para um dos quartos. A porta foi arrombada a chutes e tiros e, lá dentro, novas rajadas foram disparadas. Os hóspedes, que foram alvo de mais de 20 tiros e morreram na hora, eram um bicheiro e uma policial militar: Haylton Escafura, herdeiro de um dos clãs que dominam pontos de jogo ilegal no Rio, e sua então namorada, a soldado Franciene de Souza.

Depois da execução, os atiradores saíram do quarto, desceram as escadas e fugiram do hotel pela garagem, sem serem incomodados. O crime aconteceu em 14 de junho de 2017 e, até hoje, ninguém responde por ele. No entanto, o Ministério Público encontrou, espalhados na internet, rastros que apontam para a participação da segunda geração do Escritório do Crime no assassinato.

O quarto episódio de Pistoleiros, um podcast original Globoplay produzido pelo GLOBO, revela que o duplo homicídio no hotel marca uma transformação no consórcio de matadores de aluguel criado pelo ex-capitão Adriano da Nóbrega. Com os antigos capangas mortos ou foragidos, o ex-caveira passou a recrutar numa das milícias mais antigas do Rio a mão de obra que precisava para renovar sua quadrilha. Ao longo de cinco capítulos, a série —resultado de um trabalho de um ano e meio de apuração —vai revelar histórias inéditas sobre o submundo da pistolagem carioca.

No dia 3 de fevereiro de 2017, quatro meses antes do crime, Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, fez buscas no Google por “Haylton Escafura”. Ele sabia quem estava procurando, afinal acertou a grafia incomum do primeiro nome. Já em 17 de abril daquele ano, Mad — que quer dizer “louco” em inglês — procurou, num aplicativo de mapas, a rota até o hotel onde o crime aconteceria dois meses depois. Os dados fazem parte de um relatório do MP obtido com exclusividade pelo GLOBO.

O homem por trás das buscas, segundo o MP do Rio, é o chefe da segunda geração do Escritório do Crime, o matador de aluguel que virou o braço direito de Adriano a partir de 2017. Até então, cabia ao ex-PM Antônio Eugênio de Souza Freitas, o Batoré, a função de número dois do grupo. Mas, após uma parceria de duas décadas, Batoré seria afastado da quadrilha por ter sido alvo de uma operação da polícia e se tornado foragido da Justiça. Com o rosto do comparsa estampado em jornais e TVs, Adriano precisou procurar novos matadores fora do radar da polícia.

FAMA NA MILÍCIA

E Mad se encaixava perfeitamente no perfil: na época, ele era um ilustre desconhecido para a polícia. No submundo do crime, porém, ele tinha alguma fama graças à sua atuação como um dos mais ativos soldados da milícia de Campinho, na Zona Norte.

—A gente não sabe precisar quando nem como, mas o Mad é cooptado pelo Adriano e passa então a se tornar um matador do grupo dele, com características bem profissionais de atuação. O Mad é um peixe fora d’água, porque é um dos poucos não policiais que a gente vê realmente galgando posições na hierarquia do grupo do Adriano — explica Marcelo Pasqualetti, policial federal que investigou o Escritório do Crime.

Além dos indícios que apontam para Mad como executor, o Ministério Público também tem pistas sobre o que motivou o homicídio. Num depoimento que deu no presídio federal de Mossoró durante a investigação do caso Marielle Franco, o miliciano Orlando Araújo, o Orlando Curicica, contou que a execução de Haylton foi encomendada por um dos capos do jogo do bicho no Rio, Rogério Andrade, sobrinho de Castor de Andrade. De acordo com o relato, o interesse de Andrade seria dominar a área sob controle de Haylton — bairros da Zona Norte, como Cascadura e Madureira —, já que ele era o único herdeiro de um outro chefão do bicho, José Caruzzo Escafura, o Piruinha.

Mad está preso desde junho de 2020. Ele é acusado dos homicídios do bicheiro Marcelo Diotti, na Barra, e do PM Anderson Claudio da Silva, o Andinho, no Recreio.

Rio

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2021-12-08T08:00:00.0000000Z

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