Infoglobo

Por melhores Black Fridays

ZEINA LATIF oglobo.com.br/economia economia@oglobo.com.br

Ajulgar pelas pesquisas setoriais e manifestações de associações do varejo, as vendas da Black Friday decepcionaram. Na verdade, o mau humor dos consumidores, conforme apontavam as sondagens de confiança recentes, era prenúncio de vendas mornas.

Considerando o índice de confiança do consumidor da FGV, o subitem que capta a percepção quanto à situação atual da economia está próximo das mínimas históricas, mesmo com o avanço da vacinação e a redução da taxa de desemprego em curso. Ele estava em 68 pontos em novembro ante 72,8 no ano anterior —em uma escala de 0 a 200, sendo que valores abaixo de 100 significam pessimismo.

Compõe esse quadro o mercado de crédito menos convidativo, pois aos poucos é impactado pelo ajuste da política monetária do Banco Central. Por exemplo, a taxa de juros para aquisição de bens estava em 16% ao ano em outubro, ante 11,6% um ano antes. O nível recorde de endividamento dos indivíduos reforça o conservadorismo.

O ponto a ser aqui destacado é o fato de estar tudo caro, afugentando o consumidor. Tomando o IPCA-15 de novembro, que mede a variação mensal de preços no período que vai da segunda quinzena de outubro à primeira de novembro, a inflação média de semiduráveis (roupa, calçados) e duráveis (eletroeletrônicos, móveis) está salgada, com variação anual de 10,6% — um grande salto em relação ao 1,1% na mesma comparação do ano passado.

A avaliação de muitos é que os preços não caíram efetivamente na Black Friday, e isso decorreria de varejistas que se aproveitam da concentração de mercado para elevar preços anteriormente para depois fazerem promoções fake. Calma lá. Ainda que esse fenômeno ocorra, não convém criar espantalhos que acabam por tirar o foco do principal: o frágil quadro da economia brasileira.

Antes de mais nada, vale citar que liquidações não são apenas uma forma de queimar coleções ou modelos passados para entrarem novos produtos. São também estratégias de discriminação de preços para captar perfis distintos de consumidor, sendo que alguns aceitam pagar mais caro para consumir antes e outros preferem esperar para pagar menos. No caso, os preços ficam em média mais elevados em condições normais para que seja possível fazer promoções posteriores. É uma prática consolidada no setor, independentemente do grau de concentração do mercado.

O ponto principal é que o contexto atual de inflação alta inibe grandes liquidações. A maior volatilidade de preços e a incerteza sobre sua trajetória dificultam a decisão de lojistas na fixação dos seus preços, sendo que, a cada reposição de estoques, as novas mercadorias estarão sensivelmente mais caras. Por exemplo, um varejista com estoque mais antigo tende a ter preços mais competitivos por um tempo — isso explica a maior dispersão de preços de um mesmo produto em diferentes estabelecimentos em tempos de inflação alta —, mas não seria sábio queimar seu estoque a preços muito baixos, pois isso o deixará pouco capitalizado para a recomposição de estoques. Enfim, há limites estritos para cortar preços na Black Friday quando a inflação está alta. Aliás, nesse contexto, não corrigir a tabela de preços já significa fazer promoção.

Isso é ainda mais válido quando a inflação acumulada no atacado está acima da inflação ao consumidor, como é o caso, pois significa que as margens do varejo estão deprimidas e limitam o espaço para promoções.

Quanto à estrutura produtiva concentrada em muitos setores, cabem ponderações. Primeiro, ela não é garantia de reduzida concorrência, sendo que há ganhos de escala que beneficiam os consumidores quando permitem preços mais baixos. Cabe ainda considerar que, em tempos de vacas magras, a disputa dos setores é também pelo bolso do consumidor.

Segundo, a concentração de mercados no país é, em boa medida, resposta ao próprio custoBrasil. Além de prejudicar o crescimento da rendaedoemprego,eleaumentaanecessidade de as empresas terem ganhos de escala para serem competitivas, pois só assim conseguem diluir elevados custos fixos —como custos operacionais decorrentes de insegurança jurídica em várias frentes (como no pagamento de impostos e nas relações trabalhistas), infraestrutura cara e mão de obra pouco preparada.

Compreender as reais causas de resultados econômicos decepcionantes e enfrentá-las são tarefas essenciais. O Brasil precisa encarar suas fragilidades.

Compreender as reais causas de resultados econômicos decepcionantes e enfrentá-las são tarefas essenciais

Economia

pt-br

2021-12-08T08:00:00.0000000Z

2021-12-08T08:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/281767042516711

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.