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‘Ideologia de gênero’ é alvo do ministério de Damares

Classificação é incluída como violação de direitos de crianças em manual usado em canal de recebimento de denúncias

BRUNO ALFANO bruno.alfano@extra.inf.br

Um novo manual para orientar o tratamento das mensagens recebidas pelo Disque 100, principal canal de denúncias de violações dos direitos humanos do país, abriu a possibilidade para queixas sobre “ideologia de gênero” como violação de direitos de crianças. A classificação foi inserida no Manual de Taxonomia de Direitos Humanos da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, lançado em abril deste ano pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.

A classificação abre espaço para o acolhimento de denúncias como a que levou o diretor do Colégio Municipal Getúlio Vargas, em Resende, no Sul Fluminense, a ser intimado a depor na polícia, na segunda quinzena de novembro. Paulo Henrique Nogueira foi chamado para explicar o fato de professores da escola “promoverem o comunismo e a ideologia de gênero”, segundo o texto da intimação.

— Esse manual é uma grande monstruosidade. Tinha que ser suspenso — defende Sônia Correa, uma das diretoras do Sexuality Policy Watch (SPW).

O manual divide os tipos de violação em classes, subclasses e espécies, pelas quais os atendentes do Disque 100 classificam as denúncias recebidas. O documento também lista as motivações que levaram às violações de direitos. Entre elas estão a idade, a etnia, a orientação sexual e a ideologia de gênero.

Na avaliação de Marco Prado, pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG, o canal foi mudado para facilitar denúncias contra professores.

— O ministério está constituindo uma ilegalidade, o Supremo Tribunal Federal já definiu que ideologia de gênero não existe —afirma.

“PODER FAMILIAR”

Outra categoria que chama atenção dos pesquisadores é o tipo de violação ao chamado “Livre Exercício do Poder Familiar”. De acordo com o manual, é tarefa da família a “formação moral, educacional e religiosa de crianças e adolescentes”. Assim, “a mera tentativa de o Estado imiscuir-se em assuntos da órbita privada e familiar dos indivíduos já se configura em grave violação de direito”.

Com o manual, o ministério também refez as categorias do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, portal que reúne informações das denúncias realizadas através do Disque 100 e do Disque 180, canal específico para combater a violência contra a mulher.

No painel, é possível saber quantas denúncias foram feitas por cada motivação ou tipo de violação listada no documento. Desde janeiro desse ano, foram reportadas quase 28 mil denúncias em razão de condições físicas, sensoriais, intelectuais ou mentais. No entanto, as categorias em razão da orientação sexual e ideologia de gênero estão juntas, o que impede saber quantas foram feitas por cada uma dessas motivações.

— No manual, existe a explicação do que é a motivação em razão de orientação sexual, que seria homofobia. Mas não se define o que é a motivação da ideologia de gênero. Haver isso na taxonomia (classificação e descrição) da denúncia é um completo absurdo. Estar junto de orientação sexual é outro absurdo completo — critica Prado.

Procurado, o ministério não respondeu aos questionamentos do GLOBO, nem explicou de que forma a denúncia contra o Colégio Municipal Getúlio Vargas foi registrada. Mas a 89ª Delegacia de Polícia Civil do Rio, em Resende, confirmou que a queixa foi feita por meio do Disque 100. Segundo a delegacia, logo após os esclarecimentos do diretor da escola, o inquérito foi suspenso.

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2021-12-08T08:00:00.0000000Z

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