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MAESTRO QUE UNIU SABERES DA ÁFRICA E DA EUROPA NA MÚSICA

SILVIO ESSINGER silvio.essinger@oglobo.com.br

Referência da música afrobrasileira, celebrado por suas criações com a Orkestra Rumpilezz e por trabalhos com grandes nomes da MPB (de Caetano Veloso e Maria Bethânia a Ivete Sangalo e Liniker), o maestro, compositor, arranjador e instrumentista baiano Letieres dos Santos Leite nasceu em Salvador, em 1959. Ele estava à frente do Instituto Rumpilezz, mesmo nome da orquestra que criou. Além de reger o conjunto, era o responsável por todo o conceito de espetáculos, composições e arranjos de sopros e percussão.

Letieres Leite começou a “alinhavar as primeiras ideias” no tempo em que estudava no Konservatorium Franz Schubert, em Viena, na Áustria, onde morou de 1985 a 1994. De volta a Salvador, ele lecionou na Universidade Federal da Bahia, dedicando-se ao ensino de música a partir da linguagem percussiva baiana, e montou uma escola chamada Academia de Música da Bahia, onde começou a desenvolver pesquisas. Percussionista e saxofonista que acompanhou a cantora Ivete Sangalo por mais de 12 anos, ele foi o responsável pelos arranjos de muitos de seus hits, como “Festa”, “Empurra-empurra”, “Tô na rua” e “Abalou”.

ELOGIOS DA CRÍTICA

Foi em 2006 que Letieres Leite criou a Orkestra Rumpilezz, dedicada a unir as tradições musicais baianas, africanas e da orquestração europeia. Em 2008, a Orkestra gravou o seu primeiro CD, lançado no ano seguinte pelo selo Biscoito Fino, com oito músicas de autoria do maestro. O trabalho recebeu muitos elogios da crítica. Na orquestra, ele compunha, arranjava e regia, além de tocar saxofone e agogô.

Tanto as composições quanto os arranjos de autoria de Letieres Leite eram concebidos a partir das claves e dos desenhos rítmicos do universo percussivo da Bahia, com inspiração em grandes agremiações percussivas de Salvador (como o Ilê Aiyê e Olodum), no samba de roda do Recôncavo e no candomblé.

“Na realidade, toda música brasileira é afro-brasileira”, disse Letieres, em 2020, em entrevista ao site El Cabong. “O que eu falo é da música afro-brasileira mais próxima da sua origem, na sua primeira formação, que é ligada às questões religiosas, geralmente. É de onde vem a matriz. A matriz do samba sai de dentro da religião, a matriz do ijexá e do maracatu também. Todas saem da mesma árvore, e as raízes dessa árvores são as nações do candomblé. Minha paixão é essa.”

Ao longo dos anos, Letieres Leite participou de trabalhos com Gilberto Gil, Nação Zumbi, Paulo Miklos, Elza Soares (ele inclusive fez arranjos para o musical sobre a cantora) e BaianaSystem. Além da Rumpilezz (com quem montou um espetáculo sobre as obras de Dorival Caymmi), o músico também criou o Letieres Leite Quinteto, mais jazzístico, com o qual lançou oálbum “O enigma Lexeu” em 2019 — mesmo ano em que liderou antológica noite no Circo Voador, no Rio, reunindo a Rumpilezz a Caetano Veloso e ao saxofonista e astro do jazz americano Kamasi Washington.

Entre os últimos trabalhos do baiano, estão arranjos para os discos de Maria Bethânia (de quem ele dirigiu o show “Claros breus” em 2019), Caetano, Liniker e Márcia Castro. Para o início de dezembro, está programado pela gravadora Rocinante o lançamento de “Moacir de todos os santos”, álbum da Orkestra Rumpilezz reinterpretando os temas do disco “Coisas” (1965), do arranjador e compositor Moacir Santos.

— Letieres foi um dos mais importantes criadores brasileiros do século XXI, um professor revolucionário e profundamente generoso e um dos principais pensadores da música negra no Brasil. Ele nos deixa no auge de sua potência criativa, com mil projetos na cabeça — dizem, em comunicado conjunto, Sylvio Fraga e Pepê Monnerat, diretores da Rocinante.

Letieres Leite morreu ontem, em Salvador. A causa da morte não foi divulgada. De acordo coma equipe de produção do artista, ele passou mal ontem e morreu na casa onde morava.

Admiradores, amigos e colegas de profissão lamentaram, nas redes sociais, a perda do artista. Caetano Veloso, por exemplo, disse ter ficado “arrasado” coma notícia e comentouno Insta gram :“A música baiana, a música brasileira, a música perdeu hoje um dos seus maiores formadores. Avida perdeu um dos seus mais dignos representantes.”

O rapper Emicida tuitou: “Meu amigo e mestre Letieres Leite nos deixou hoje. Meu peito está em frangalhos. Olhos cheios de água e uma saudade que a partir de agora só aumenta. Obrigado por todas as aulas, mestre.” Ivete Sangalo, por sua vez, disse ter aprendido muito com Letieres: “Não esquecerei jamais as inúmeras con tri buiçõesàmús ica eà minha carreira.”

LÍDER DA ORKESTRA RUMPILEZZ, INSTRUMENTISTA BAIANO ASSINOU DE TRABALHOS COM CAETANO E GIL A HITS DE IVETE SANGALO E AJUDOU A REFORMATAR A MPB NO NOVO SÉCULO

Segundo Caderno

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2021-10-28T07:00:00.0000000Z

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