Infoglobo

A saúde andava cinzenta para Gilberto Braga

BERNARDO ARAUJO* Especial para O GLOBO

Gilberto era Tumscitz na identidade (ele jamais usaria o paulista “RG”) e nas críticas de teatro que escrevia aqui no GLOBO décadas atrás, mas era Braga para o mundo. Não praticante, levava na alma os alvirrubros Salgueiro

e América FC, heranças da infância tijucana. Lembrava nos mínimos detalhes as histórias e personagens da época da Campos Sales, assim como as da Copacabana dos anos 1960, a Aliança Francesa, as sessões de cinema sem fim —que o acompanharam em VHS, laserdisc,

DVD, streaming a vida toda.

Da mesma forma que as cenas e diálogos dos diretores e dramaturgos favoritos —dos outros também; ele conhecia todos —, Gilberto lia as pessoas, a ponto de fazer-lhes, sem cerimônia, revelações sobre suas próprias vidas:

— Não, não aconteceu assim, não. Foi de outro jeito.

E ele sabia contar as histórias. Falou de amor gay, abordou o racismo e outros crimes e injustiças muito antes de estarem, ufa, na ordem do dia. O olhar distraído de Constância Eugênia Correia Lima Amorim Barreto podia insinuar alienação, mas a observação era precisa.

—Ótimo você ter conseguido esse estágio —me disse ele no começo de minhas vivências em redações, nos anos 90. — Mas não deixe de escrever sobre música, nem que seja no Diário de Pindamonhangaba.

A prestimosa publicação, se é que existe, ainda não me pautou, mas sigo o conselho até hoje, passados 30 anos.

Assim como a frente fria que assola a primavera carioca há semanas, a saúde andava cinzenta para Gilberto, roubando-lhe até o prazer simples da praia na frente de casa. Carioca internacional, o dono do mundo foi embora com o sol.

* Bernardo Araujo é jornalista e filho de Rosa Maria Araujo, irmã de Gilberto Braga

Segundo Caderno

pt-br

2021-10-28T07:00:00.0000000Z

2021-10-28T07:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/282364042891054

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.