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De exemplo mundial à derrota: como Costa deixou a crise chegar

GIAN AMATO internacio@oglobo.com.br LISBOA

Opremier António Costa, líder do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, confiou demais no personagem astuto que criou em 2015 ao chegar ao poder sem ganhar eleições. E também no bom momento do país, de crescimento do PIB e vacinação avançada. Mas, no intervalo de um mês, foi surpreendido duas vezes.

Primeiro, fez campanha para a prefeitura de Lisboa com o trunfo dos € 16,6 bilhões da União Europeia (UE) para recuperar a economia no futuro pós-pandemia. A estratégia falhou, e seu candidato perdeu a capital após 14 anos justamente para a principal sigla de oposição, o Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, que havia sofrido derrota retumbante nas eleições gerais de 2019, vencidas pelo PS.

Depois, não percebeu o perigo enquanto negociava as propostas para o Orçamento com o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP), antigos aliados na coalizão Geringonça, desfeita em 2019, por pensar que este era o Orçamento mais à esquerda já apresentado e que seria aprovado facilmente. Avaliou errado, porque a esquerda quer mais.

—A Geringonça foi morta pela obsessão pela maioria absoluta do PS —atacou Catarina Martins, líder do BE, ao justificar o voto contra.

Portugal começou o ano na presidência rotativa do Conselho Europeu. Costa passou a ser figura de destaque na UE, ajudando a traçar o maior plano de recuperação financeira já visto no continente e a desenhar a política externa do bloco. Ao mesmo tempo, Portugal iniciou uma das mais eficientes campanhas de vacinação do planeta. Com a pandemia controlada, retomada do emprego e crescimento da economia do país, o premier era exemplo para o mundo, mas não conseguia arrumar sua base política. Era tarde quando tentou convencer os deputados a aprovarem o Orçamento. Pôs o PS como única solução de governo possível sem a extrema direita, o que poderia ser outro erro de estratégia na campanha para as eleições antecipadas, se o presidente Marcelo Rebelo de Sousa decidir convocá-las.

—As pessoas perderam a vergonha de se assumir simpatizantes do partido de extrema direita [Chega]. O que acontecia depois do 25 de Abril, da memória do [ditador] Salazar, acabou há mais de cinco anos. A retórica do fascismo não tem reflexo nas novas gerações —avaliou Francisco Pereira Coutinho, professor associado e subdiretor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Na próxima semana, o PSD terá eleições internas e escolherá o adversário de Costa. Recentemente, o partido abriu a porta ao Chega para uma coligação no governo autônomo da Ilha da Madeira, mas voltou atrás. Porém, chegaram a acordo nos Açores.

Mesmo que vença as eleições antecipadas, ninguém aposta que Costa teria capacidade de reunir os ex-aliados em nova solução criativa. Aos partidos à esquerda, restará a culpa se o veto ao Orçamento permitir a volta da direita ao poder. Certo é que o enterro definitivo da Geringonça deixa o premier com o sentimento de “enorme frustração”, como atestou ontem:

—Um voto contra da esquerda é derrota pessoal.

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2021-10-28T07:00:00.0000000Z

2021-10-28T07:00:00.0000000Z

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