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Impasse fiscal põe em risco governo português

Governo socialista de Portugal fica sob risco após rejeição do Orçamento

FILIPE BARINI filipe.barini@oglobo.com.br

Parlamento rejeita proposta de Orçamento do governo socialista, o que pode levar presidente a antecipar as eleições.

OParlamento português rejeitou a proposta de Orçamento apresentada pelo governo do premier António Costa, do Partido Socialista (PS). O projeto, que teve 117 votos contra e 108 a favor, foi alvo de pesadas críticas e votos contrários da oposição de direita e dos demais partidos de esquerda, que consideraram o texto pouco ambicioso em questões sociais e chegaram a dizer que se tratava de um “balde de água fria”.

Como Costa já indicou que não pretende renunciar, a decisão sobre os próximos passos recai agora sobre o presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, que sinalizou anteriormente que convocaria eleições antecipadas em caso de derrota governista. Uma decisão deve ser anunciada até a próxima quarta-feira. Essa foi a primeira vez em que o Orçamento de um governo eleito em Portugal foi rejeitado, evidenciando a falta de maioria parlamentar de Costa.

— Em alguns anos teremos de explicar estes tempos estranhos e os caminhos que aqui nos trouxeram — declarou o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, ao final de um tenso debate.

Ele se referia ao fato de Portugal estar em um bom momento, com a previsão de registrar neste ano um dos maiores crescimentos econômicos na União Europeia, de 3,9%, além de ter atingido o maior índice mundial da população totalmente vacinada contra a Covid-19, 87,2%, e de ter a receber € 13,9 bilhões em doações e € 2,7 bilhões em empréstimos do fundo europeu de recuperação pós-pandemia — verba que, no entanto, precisa da aprovação do Orçamento para ser gasta.

A origem dos problemas do agora ameaçado governo de Costa remete a 2019, quando ele desfez a aliança parlamentar de esquerda conhecida como Geringonça, formada por sete sigla seque lhe deu apoio para governar entre 2015 e 2019. Contudo, após a vitória nas eleições parlamentares de dois anos atrás, Costa optou por comandar um governo de minoria e negociar projeto a projeto com seus antigos parceiros, incluindo o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP), e também eventualmente com siglas da oposição conservadora.

Na teoria, op remi er buscava ter mais liberdade para agir fora da Geringonça, que, embora lembrada por seu caráter de improviso, era tida como exemplo de sucesso das esquerdas na Europa, ainda mais com o avanço da extrema direita no continente. Mas, na prática a harmonia não se manteve, estourando na crise que, agora, ameaça a permanência de Costa no poder.

BARGANHA FRUSTRADA

Na apresentação do texto do Orçamento 2022, no início do mês, o ministro das Finanças, João Leão, disseque haveria espaço para a discussão dos pontos com os partidos, frisando que isso se daria dentro de um quadro de “responsabilidade” fiscal, Após longas discussões, o BE, o partido ecologista Os Ver dese o PCP apontaram que votariam contra o texto caso ele fosse a plenário do jeito que havia sido apresentado. A líder do BE, Catarina Martins, criticou oque via como retrocessos sociais em relação a propostas anteriores.

— Essas escolhas não têm nada de esquerda nem são resposta aos problemas do país. E são inexplicáveis, porque o momento devia mesmo ser de mudança — afirmou Martins durante o debate no plenário.

Contudo, o governo ainda tinha uma chance de aprovação mesmo sem o BE: se o PCP se abstivesse, como fez na votação do Orçamento anterior, a proposta sairia vitoriosa com os 108 votos do PS contra 105 do BE, dos Verdes e da direita.

Mas o PCP anunciou ontem

que votaria contra. Inicialmente, a sigla disse estar aberta a negociações com o PS, que fez acenos de aumento do salário míni moedas aposentadorias, de gratuidade em creches e da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda. Não adiantou.

—Foram longas as horas de negociação, mas o governo não quis nos acompanhar — declarou o líder dos comunistas, Jerónimo de Sousa.

NOVAS ELEIÇÕES?

Na terça, já durante as discussões em plenário, Costa ressaltou que o plano trazia avanços em questões sociais, mas que também era necessário prezar por medidas de ajuste nas contas.

—Reduzi rode ficite a dívida nãoé um constrangimento. É um objetivo que articulamos como aumento de investimentos, salários, pensões, programas sociais e a melhoria dos serviços públicos —declarou o premier, afirmando que os números da economia mostravam que Portuga lestá no “caminho certo”.

Ontem, já prevendo a derrota, Costa afirmou que“fez tu doque estava aseu alcance ”. Já na fase final de discussões, o deputado oposicionista Adão Silva, do Partido Social-Democrata( PSD ), de direita, ironizou acrise na esquerda.

— Mais do que um debate sobre o Orçamento, esses dois dias foram uma extensa moção de censura ao governo de António Costa — afirmou. — Pouco falta para a Geringonça chegar ao estado de rigor mortis. Paz à sua alma! Antes do resultado, Costa havia dito que, em caso de derrota, poderia se manter no cargo usando o chamado regime dos duodécimos, pelo qual o governo pode usar mensalmente, no máximo, o valor gasto no mesmo período do ano anterior — isso, porém, poderia inviabilizara execução dos programas financiados pela União Europeia.

Costa queria evitara dissolução do Parlam entoe a convocação de novas eleições pelo presidente Rebelo de Sousa, mas essa é agora a saída mais provável. Se esse caminho for confirmado, novas eleições serão convocadas em até 60 dias, mas provavelmente só ocorreriam em janeiro por causa das festas de fim de ano. Segundo as estimativas, um novo Orçamento, já com um novo Parlamento e um novo governo, só deveria sair do papel em abril do ano que vem. Mesmo rejeitando a ideia de uma nova eleição, Costa afirmou que seria novamente candidato ao posto de premier.

“Esses dois dias foram uma extensa moção de censura ao governo de António _ Costa”

Adão Silva, deputado do Partido Social-Democrata, da oposição

Primeira Página

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2021-10-28T07:00:00.0000000Z

2021-10-28T07:00:00.0000000Z

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