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Inflação e risco fiscal levam à maior alta dos juros desde 2002

Subida de 6,25% para 7,75% anula reduções do governo Bolsonaro; dezembro deve ter novo aumento

GABRIEL SHINOHARA E STEPHANIE TONDO economia@oglobo.com.br BRASÍLIA E RIO

Inflação acima da meta, economia em ritmo lento e risco de descontrole dos gastos do governo, após a “licença” para furar o teto de gastos, levaram o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central a elevar a taxa básica de juros de 6,25% para 7,75%. O aumento de 1,5 ponto percentual foi o maior em uma única reunião desde dezembro de 2002, quando passou de 22% para 25%. Com isso, a Selic, que começou o ano de 2021 no menor nível histórico, teve as reduções anuladas e voltou ao patamar registrado quatro anos atrás. O BC sinalizou novo reajuste de 1,5 ponto percentual em dezembro.

Com uma inflação persistente em dois dígitos e um quadro de deterioração fiscal, o Banco Central (BC) decidiu elevar a Taxa Selic de 6,25% para 7,75% ao ano. Trata-se do maior patamar desde 2017, quando o Brasil ainda estava no governo de Michel Temer. Na prática, a decisão anula as quedas de juros feitas durante o governo de Jair Bolsonaro. E é também o maior aumento aplicado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) desde dezembro de 2002, quando os juros subiram 3 pontos percentuais.

Desde que foi deflagrada a crise do Auxílio Brasil a R$ 400 e os debates sobre mudanças na regra do teto de gastos (a regra que limita o aumento das despesas públicas à inflação do ano anterior), economistas estimavam que o BC precisaria adotar uma ação mais contundente do que os aumentos de 1 ponto percentual que vinha praticando desde agosto. Esse movimento ganhou força nesta semana com a divulgação do IPCA-15, a prévia da inflação de outubro, que mostrou alta acumulada em 12 meses de 10,34%.

‘ARCABOUÇO FISCAL’

Desde então, a maioria do mercado esperava alta entre 1,5 e 2 pontos percentuais, embora tenham começado a surgir apostas de aumentos de até 3 pontos. O objetivo dessa subida mais vigorosa dos juros é corrigir as expectativas e garantir que a inflação do próximo ano fique dentro da meta definida pelo Banco Central, de 3,5%, mas com teto até 5%.

No comunicado, o BC reconhece que a situação mudou e que há questionamentos às regras fiscais.

“Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas,

“Foi um comunicado firme, objetivo e passando a mensagem de que irresponsabilidade fiscal será remediada com mais _ juros”

João Beck, economista e sócio da BRA

“Se observarmos novos gastos públicos fora do teto, além dos R$ 30 bilhões previstos para cobrir o novo Auxílio Brasil, aí vamos ter de buscar uma Selic mais alta, porque automaticamente isso vai se traduzir em inflação” _

Paloma Brum, economista da Toro Investimentos

o Comitê avalia que recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário básico”, diz o documento.

No jargão do BC, o recado é que há mais risco de as expectativas de inflação ficarem acima do cenário previsto pela autarquia em razão do debate fiscal. O teto de gastos é considerado a âncora fiscal do país, a principal referência dos investidores. E a mudança na regra é vista com temor pois coincide com a proximidade das eleições de 2022. Na avaliação do mercado, indica mais chances de descontrole de gastos. O cenário básico previsto pelo BC é de inflação de 9,5% este ano e de 4,1% no próximo.

O BC deixa claro que deve repetir a mesma dosagem no remédio dos juros na reunião de dezembro, ou seja, que a taxa deve ter nova alta de 1,5 ponto percentual. Caso esse prognóstico se confirme, a Selic encerraria o ano em 9,25%.

“O Copom considera que, diante da deterioração no balanço de riscos e do aumento de suas projeções, esse ritmo de ajuste é o mais adequado para garantir a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante”, aponta o BC.

Segundo João Beck, economista e sócio da BRA, o fato de ter sido uma decisão unânime da diretoria mostra comprometimento técnico e independência do BC, que “não vai se deixar influenciar pelo governo”. E mostra também a defesa de uma postura fiscal mais responsável:

— No geral, foi um comunicado firme, objetivo e passando a mensagem de que irresponsabilidade fiscal será remediada com mais juros.

Para Rodolfo Margato, economista da XP, alguns agentes do mercado esperavam tratamento mais contundente em relação aos eventos fiscais recentes, como o aumento de gastos fora do teto, mas apesar de o recado do BC ter sido “lacônico”, deixou claro que há uma elevação dos riscos.

MAIS COMPLEXO QUE EM 2002

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, disse que “dentro da linguagem do Copom”, foi um comunicado duro:

— Tem sempre uma certa linguagem diplomática no Banco Central, mas para bom entendedor, meia palavra basta. O recado foi dado, e o BC endureceu bem a linguagem a esse respeito. Falou em deterioração no balanço de riscos, em desancoragem das expectativas de inflação por razões fiscais, e questionamento do regime fiscal.

Na avaliação de Schwartsman, o Brasil vive momento muito diferente do de 2002, mas a situação fiscal hoje é mais complicada:

— No fim de 2002, o grau de incerteza era muito maior e, do ponto da inflação, a situação era mais complicada. A gente estava discutindo se o regime de metas de inflação ia continuar ou não. Na época, a dúvida era se o governo Lula ia seguir regras. E nos primeiros anos seguiu. Mas a situação fiscal, hoje, é mais complicada do que naquele momento.

Para os especialistas, o componente fiscal será crucial para definir a trajetória dos juros e da inflação nos próximos meses.

— Se observarmos novos gastos públicos fora do teto, além dos R$ 30 bilhões previstos para cobrir o novo Auxílio Brasil, aí vamos ter de buscar uma Selic mais alta, porque automaticamente isso vai se traduzir em inflação — afirmou Paloma Brum, economista da Toro Investimentos.

Analistas já projetam que ao fim do ciclo de aumento de juros, a taxa pode chegar a 10% ou 11%.

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2021-10-28T07:00:00.0000000Z

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