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‘A VAIDADE ME DEU VÁRIAS RASTEIRAS NA VIDA’

ARTISTA FALA SOBRE SEU PRIMEIRO FILME COMO DIRETOR, O PREMIADO ‘MEDIDA PROVISÓRIA’, E DO SEU RECONHECIMENTO PÚBLICO NO COMBATE ÀS DESIGUALDADES NO PAÍS, QUE O LEVA A SE POLICIAR PARA NÃO FICAR SE ACHANDO ‘GRANDE COISA’

MARIA FORTUNA mariafortuna@oglobo.com.br

Lázaro Ramos aparece chorando no making of de “Medida provisória”, filme que marca sua estreia como cineasta e chega aos cinemas em 25 de novembro. O diretor se emocionou quando viu amigos como a escritora Conceição Evaristo aparecerem de surpresa para encorpar o elenco de figurantes da última cena do longa, que também conta com a participação de seus filhos, João e Maria. A passagem encerra com espírito de resistência o filme, ganhador do prêmio de melhor roteiro no Indie Memphis Film Festival, e de melhor direção e ator (Alfred Enoch) no Pan African Film, em Los Angeles. Baseado na peça “Namíbia, não” (escrita em 2011 por Aldri Anunciação), o longa se passa num futuro distópico e mistura humor, thriller e comédia para contar uma história que começa com a notícia da reparação financei

rapara negros por causada escravidão. Ma soque acontece é uma medida provisória que determina a devolução dos “cidadãos de melanina acen tua da”à África e inspira diálogos como“Maria G ad ué mel aninada ?” e“Nocas oda Camila Pita ng a,éfacult ativo ”. A porção thriller assume a narrativa quando os negros precisam se esconder em “afrobunkers”. O drama se estabelece na história de amor entre Taís Araújo e Enoch, forçados ase separar. O elenco traz ainda Renata Sorrah, Adriana Esteves, Seu Jorge e outros. Diante da realidade que tem superado a ficção, o roteiro nem parece tão absurdo. Lázaro, aliás, ia exibir o filme quando a pandemia espalhou a distopia no ar. Só conseguiu percorrer os festivais este ano. O ator, que está no elenco da série “A ruanas” evai estrearem “Sob pressão” e no filme “O silêncio da chuva” (de Daniel Filho, dia 23), conta que a recepção tem variado de acordo com o país.

Como a pandemia e os acontecimentos nesse período influenciam a percepção sobre o filme?

É impossível dissociálo da nossa história das ruas, do que está acontecendo politicamente e socialmente. Várias coisas eram alertas sobre o que não queríamos que acontecesse e aconteceram. Confinamento, máscara, conflitos raciais, polarizações. Ele foi feito para falar que o caminho da aproximação é transformador e possível. Há o desejo de mostrar diversidade de pessoas e pensamentos. Dependendo do momento histórico e do país, o filme muda de sentido. Nos EUA, onde o debate racial e sobre imigração está quente, foi uma explosão. Na Inglaterra, o humor ácido foi forte. Na França, a parte do sofrimento. Na América Latina s ó se falava da exclusão e do racismo. Estou ansioso para mostrar no Brasil, sei que irá além do que posso imaginar.

Em 2020, você estava inseguro sobre como esses temas iriam bater nas pessoas...

O entendimento varia de acordo com as crenças. Às vezes, a gente debate esses assuntos no racional e não sai de onde está. Minha estratégia é emocionar, engajar pelo entretenimento. Os momentos de humor e emoção vão além da compreensão racional política. E eu adoro entreter. Antes, morria de vergonha de falar isso porque poderia ser considerada arte menor.

Você já reclamou de como, muitas vezes, os personagens negros são estereotipados. Seu filme conta com 77 atores negros. Como aproveitou para fazer diferente?

Me incomoda assistir a um filme que fala sobre uma coletividade negra em que parece que os personagens são um só, um coro sem forma. A gente fez um trabalho para dar personalidade aos indivíduos, escolhemos os personagens determinando profissões diferentes, posturas de vida, reação a cada situação do filme, figurino. Tentamos dar o máximo de diversidade a esse grupo de negros. Não tem ninguém fingindo que está falando. É todo mundo vivendo intensamente sua situação.

Como foi dirigir sua companheira, Taís Araújo?

Intimidade é bom e ruim. Taís me questiona muito como diretor (risos). Peço uma coisa e ela pergunta, pergunta... O marido aqui, junto com o diretor, diz “paciência”. Mas ela é tão inteligente que consegue imprimir sua opinião e oferecer o que a cena precisa. Tive ciúme dela e do Alfred nas cenas de beijo. Quando era verdadeira demais, o coração disparava. Pensava: “Se parece de verdade é porque está boa. Toma vergonha na cara que isso aqui é trabalho”. Tive que falar isso para mim (risos).

Você é uma das vozes mais fortes em defesa da igualdade racial e social no país. Isso traz responsabilidade. Como lida com essa pressão?

Durante muito tempo, queria ser escutado, falar sobre o que estava sentindo e pensando e que não era debatido da maneira em que eu acreditava. É positivo poder tentar fazer as pessoas refletirem sobre chagas que vêm de anos. Agora, não há como não ser uma prisão e uma liberdade. Não há nada que eu fale e que escolha que seja livre desse lugar. Analiso racionalmente a parte emocional que me afeta, junto com minha esposa, com meu pai, amigos e terapeuta. Dou aquela choradinha, pego força e sigo adiante.

O que significou ter sido eleito, em 2017, uma das personalidade negras mais influentes do mundo?

Motivo de orgulho e de alerta. Toda vez que me celebram, penso que não posso me acomodar com esses títulos, que eles são transitórios. Me policio porque já vivi um momento oposto. A vaidade, acreditar que eu era grande coisa, me deu várias rasteiras na vida. Sempre busco aquele ator de teatro que levava seu próprio figurino para fazer o personagem, que, às vezes, não tinha dinheiro de transporte e ia andando para o teatro pela paixão. Que chegava lá feliz por estar em cena e dar uma contribuição para quem está assistindo. Nem que fosse uma risada para deixar o dia melhor.

Você vai lançar um livro para adolescentes. Sobre o que é?

Se chama “Você não é invisível” e fala de dois irmãos na mesma casa, mas isolados em seus quartos. Em vez de se conectarem, vivem seus dilemas sem bater na porta do lado e conversar. Acontece muito, né? Adolescentes ficam com as questões dentro, sozinhos e poderiam ter um caminho mais curto para solucionar angústias.

Segundo Caderno

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2021-08-26T07:00:00.0000000Z

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