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Destino do Brasil é liderar a irmandade da língua portuguesa

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Na quarta-feira passada, dia 5 de maio, festejou-se o Dia Internacional da Língua Portuguesa. O Museu da Língua Portuguesa, que está reabrindo as portas após o incêndio que destruiu uma parte da sua estrutura, em 2015, comemorou a data durante três dias, com debates, aulas e narração de contos, tudo virtual, além de uma visita presencial à exposição “Língua solta”, para um público restrito de 160 pessoas, em grupos de dez. Participei de um dos debates, com os escritores Mia Couto e Inês Pedrosa e mediação de Roberto Pinho.

A ideia de que a língua portuguesa é pertença de todos os seus falantes é hoje quase pacífica. Só meia dúzia de ultranacionalistas portugueses insiste ainda no disparate de se julgar proprietário exclusivo do idioma. Aliás, ao contrário da Commonwealth e da francofonia, a irmandade da língua portuguesa não tem um único centro ou voz dominante, e essa é precisamente uma das suas maiores virtudes. As diferentes variedades do nosso idioma influenciam-se mutuamente, com o português de Angola contribuindo para a renovação do português de Portugal, o português de Portugal reentrando (embora ainda timidamente) no Brasil, e o português do Brasil se alastrando por toda parte. A língua portuguesa deve seu atual vigor híbrido —para usar uma expressão roubada da biologia —à contribuição de todos os idiomas com os quais convive, de igual para igual, em Angola, Moçambique, Brasil ou Cabo Verde.

O Brasil, com mais de 200 milhões de falantes, tem especial responsabilidade na promoção e valorização do idioma. Viajando pelo mundo (antes da pandemia), testemunhei o crescente interesse pela nossa língua. Em várias cidades italianas, francesas ou croatas, encontrei plateias compostas por dezenas de alunos, interessados em aprender português. Questionando esses alunos sobre o seu interesse pela nossa língua, as respostas incluíam quase sempre os nomes de Caetano, Bethânia, Chico, Gil ou Marisa Monte. Outros referiam o seu interesse na capoeira, no carnaval ou nas religiões africanas do Brasil. Já na China os cursos de português são procurados por empresários interessados em investir em Angola ou Moçambique. Para minha tristeza, são raros os falantes de outras línguas que se aproximam da nossa por meio da literatura. Isso, contudo, também acontece. O escritor italiano António Tabucchi começou a estudar português porque queria ler a poesia de Fernando Pessoa na língua original. Acabou se transformando, ele próprio, num escritor de língua portuguesa, e no mais português dos italianos. O Brasil nunca soube explorar o imenso capital de simpatia da nossa língua e cultura. Nunca quis — ou não foi capaz de — desenhar e implementar uma verdadeira política de língua. Não o fará, evidentemente, nos próximos tempos. Teremos de aguardar por um novo governo — por algo a que se possa chamar governo! — e pelo renascimento do Itamaraty. Tenho a certeza de que isso acabará acontecendo. Ninguém escapa ao seu destino. E o destino do Brasil é o de liderar, com afeto e com carinho, esta belíssima irmandade da língua.

Em várias cidades italianas, francesas ou croatas, encontrei plateias compostas por dezenas de alunos, interessados em aprender português

Segundo Caderno

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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