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Filme suscita reflexões

DANIEL SCHENKER rioshow@oglobo.com

“Bela vingança” se apresenta como um filme sintonizado com os dias de hoje, no que diz respeito às crescentes e oportunas denúncias a violências sofridas pelas mulheres. A protagonista, Cassandra (uma expressiva Carey Mulligan), frequenta boates, nas quais finge estar alcoolizada para se vingar de homens que não hesitam em se aproveitar de mulheres em situação de vulnerabilidade. Essa prática é resultado de sua revolta com o estupro de uma amiga, Nina.

O retrato de um mundo repleto de homens sem escrúpulos, predominante nesse filme de Emerald Fennell (também responsável pelo roteiro), aparece em produções dos últimos anos. No curta “Estado itinerante” (2016), de Ana

Carolina Soares, por exemplo, a figura masculina é simbolizada por vozes e sugestões de opressão. Mas, apesar da conexão com o momento atual, essa abordagem não é exatamente nova. Carlos Reichenbach estampou a via-crúcis de mulheres numa periferia assombrada por homens abusivos no contundente “Anjos do arrabalde” (1987). Ridley Scott mostrou mulheres confrontadas com homens abjetos no cultuado “Thelma & Louise” (1991). Muitos filmes centrados em relações pautadas pelo machismo poderiam ser citados. Em todo caso, Fennell vai além: também não inocenta algumas mulheres, que nem sempre se mostram solidárias umas com as outras. Cassandra, contudo, se revela menos implacável do que sugere. Sua faceta de justiceira agressiva é minimizada ao longo da projeção. Afinal, o principal para ela é perceber se aqueles que erraram se arrependeram de seus atos. Quem demonstrar sentimento de culpa consegue eventualmente seu perdão. Há, nesse sentido, uma possível condescendência da personagem com pessoas comprometidas com a tragédia que vitimou Nina. Fennell propõe ainda mais uma questão: a dificuldade de seguir em frente depois de uma experiência traumática. A necessidade de se vingar faz com que Cassandra se mantenha estacionada, como se dar continuidade à própria vida significasse esquecer o que passou. Cassandra até estabelece um vínculo com Ryan (Bo Burnham), mas, claro, as coisas não saem conforme o previsto. Transitando por diferentes climas emocionais, Fennell não evita completamente a previsibilidade, problema para um filme que, na segunda metade, evidencia o investimento em reviravoltas. “Bela vingança” é menos original do que se anuncia, mas tem qualidades suficientes para interessar o público (destaque para elenco e trilha) e segue pulsante após o encerramento graças às reflexões que suscita.

Segundo Caderno | Rio Show

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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