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Manifesto pela sororidade

SUSANA SCHILD rioshow@oglobo.com.br

Cassandra, que em latim significa “a que brilha sobre os homens” ou “a que protege os homens”, é também o nome de jovem linda e inteligente, estudante de Medicina, destinada a um futuro promissor. Um “incidente”, menor para a maioria das pessoas, porém, altera seus planos, sua vida e, também, de forma inesperada, as vidas de muitas pessoas, sobretudo homens. Explica-se: o ‘incidente”, refere-se ao estupro coletivo sofrido por uma adorada colega, Nina. Em festinha, a turma bebeu além da conta. Entre as consequências, a extrema violência sofrida por Nina, que não sobreviveu ao trauma. Cassandra, tampouco, mas a sua maneira. Substitui o almejado diploma por uma sanha de vingança obsessiva, inapelável, implacável. De dia, a mocinha trabalha em uma lanchonete. À noite, uma vez por semana, vai à luta. Ou seja, finge-se de bêbada em bares e, aparentemente fragilizada, aceita a escolta de um suposto guardião. Só que, na hora do “vem cá meu bem”, inverte o jogo. Os olhos de mormaço adquirem um brilho sinistro, o corpo entorpecido se apruma, o lugar da fala muda. O “vem cá meu bem” agora é dela, não com objetivo sexual, mas de transmitir, com a maior intensidade possível, o pânico de sofrer nas mãos de um possível predador. O nome da “vítima” entra para a sua lista de “mais um”. “Bela vingança”, longa de estreia da atriz britânica Emerald Fennell, indicado a cinco Oscars (e vencedor do de roteiro original), não economiza munição e ambiguidades em sua “mensagem”: se estupros, assédios e seus autores jamais forem esquecidos, é provável que o cenário de impunidade vigente mude, intenção estendida a mulheres não partidárias do “mexeu com uma mexeu com todas” ou do “me too”. Manifesto explícito pela sororidade, e pelo fim da “tradição” de que mulheres seriam mais rivais do que cúmplices, mais competidoras do que aliadas, “Promising young woman” (no original) oferece roteiro bem urdido, enquadramentos e cores que remetem ao universo onírico de Wes Anderson, inspirada trilha musical e um desenlace com alta voltagem de violência física e psicológica.

Como Vingadora do Passado, Carey Mulligan transita com brilho em sua bipolaridade insana, acompanhada de perto por Bo Burnham como o bom partido Ryan embora, neste cenário de machismo dominante segundo Emerald Fennell, boas reputações podem representar “apenas” falta de informação. Pelo menos até a chegada de outras Cassandras. Com tema mais forte e oportuno do que o resultado, “Bela vingança” se impõe pela urgência e atualidade do tema e seus múltiplos desdobramentos.

Segundo Caderno | Rio Show

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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