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‘LÍDERES NÃO PODEM DIZER QUALQUER COISA NA REDE’

Para advogada especialista em direito internacional dos direitos humanos, incitação à violência é o limite à liberdade de expressão

ERNESTO CORTÉS Do Grupo de Diários América/GDA

Par aC a tal in aB o tero, co presidente do Conselho Independente de Supervisão doFa cebo ok,a decisão da rede social dede suspende racontado então presidente americano Donald Trump é uma mensagem clara para outros líderes políticos que devem entender que há limites para discursos que “podem gerar danos efetivos e substanciais na vida das pessoas”.

Em entrevista ao Grupo de Diários A mé rica(GDA),Bo tero, especialista em direito internacional dos direitos humanos, ainda afirmou que, embora apoie a decisão adotada, o conselho deu à gigante da tecnologia seis meses para esclarecer em seus estatutos o termo de “suspensão por tempo indeterminado”.

Vocês decidiram apoiar a decisão do Facebook de bloquear as contas do ex-presidente Trump. O que motivou esse endosso?

O que o Facebook fez em 7 de janeiro foi suspender indefinidamente as contas do Facebook e Instagram do então presidente Donald Trump. São duas decisões: a suspensão eque a suspensão seja por tempo indeterminado. Concordamos coma primeira, que consideramos adequada porque respeita as regras do Facebook e da comunidade, bem como o direito internacional dos direitos humanos. Cremos que o conteúdo que o então presidente postava no Facebook, naquele contexto, poderia gerar violência e danos na vida real, eop residentes a bia ou deveria saber que isso era possível. E od ano não era menor, era substancial dado o contexto em que o conteúdo foi carregado para a plataforma.

No entanto, vocês se opõem a que esse veto seja permanente e indefinido. O que levou o conselho a fixar essa posição e dar ao Facebook seis meses para esclarecer suas regras?

A suspensão é claramente descrita no Facebook como uma possível consequência dessa violação. O que não está descrito —que o Facebook criou de forma ad hoc para o caso —éa suspensão por tempo indeterminado. Afigurada suspensão por tempo indeterminado, que não serve para desativá-lo permanentemente, mas também não estabelece prazo, não está consagrada nas regras do Facebook.

O que dizemos à plataforma é que ela deve operar de acordo com regras claras, conhecidas dosu suários. Líderes políticos,influenciadores ou usuários de qualquer natureza têm o direito de saber quais são as consequências de uma violação dos padrões e essa consequência não estava prevista. Como o Facebook não tinha planejado e inventou a regra para este caso, elaéilegítima.É por isso que pedimos que avalie nos próximos seis meses, tendo em conta a gravidade da violação cometida, e tome uma decisão em conformidade com as suas regras.

Trump disse que seu direito à liberdade de expressão foi violado. A senhora concorda?

Acredito que o ex-presidente e todas as pessoas na plataforma e fora dela têm direito à liberdade de expressão, de dizer coisas que os outros não querem ouvir, têm até o direito de dizer coisas que podem ofender e incomodar. Mas existem limites nos direitos humanos. Um apessoa não pode, por exemplo, incitara violência. Apolítica que oF acebo ok utilizou neste casoéa que proíbe expressamente o elogio ou aplauso de um ato violento. Neste caso, o conteúdo que o ex-presidente Donald Trump postou, aplaudiu e parabenizou um ato violento, apoiou aqueles que cometera matos de violência evidentesna tomada do Capitólio. Ele violou claramente as regras da plataforma e, novamente, essas regras são totalmente consistentes como direito internacional dos direitos humanos.Portanto, sua liberdade de expressão não foi violada, ele abusou da plataforma e ela aplicou regras que são consistentes com os padrões globais de liberdade de expressão.

A publicidade que funcionários públicos pagam às redes sociais para às vezes gerar desinformação deveria ser um tópico para o Facebook analisar?

Falo como relatora da liberdade de expressão: divulgamos uma série de informes sobre a publicidade oficial. A publicidade oficial não pode ser utilizada, nem a linguagem nem o discurso dos funcionários públicos, e digo isso como relatora. Oque a relatoria disse eque foi endossado pela Comissão Interamericana de Direitos Humano sé que ouso arbitrário de publicidade oficial, por exemplo, para mentir consistentemente, estigmatizar ou aumentar o risco de outras pessoas, viola a liberdade de expressão. Oque tende afazer é silenciar e usar todos os mecanismos do Estado para o que em inglês é chamado de chilling effect, um efeito intimidatório. Isso não pode ser feito por um funcionário público de acordo com as normas do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

O que poderia significar a decisão para outros líderes que provocam raiva nas redes, como Jair Bolsonaro ou Rodrigo Duterte? Podemos interpretar isso como um alerta?

Sem me referir acasos específicos, porque podem chegar ao conselho, creio que a decisão, quete m mais de 30 páginas eé muito robusta do ponto de vista do direito internacional dos direitos humanos, que abrange os mais elevados critérios do direito constitucional e do direito comparado na área de liberdade de expressão, manda, sim, mensagens muito claras.Éim portantes abe roque dizemos líderes políticos, o público temo direito de saber o que dizem os líderes políticos, tanto seus seguidores quanto aqueles que os não seguem, como forma de controle social. Isso faz com que esse discurso tenha uma relevância particular, mas ao mesmo tempo os líderes políticos não podem dizer e fazer qualquer coisa através dessas plataformas, porque têm um poder muito grande e um megafone que outros usuários não têm. Ao influenciar o público e criar imaginários, esses líderes devem ter cuida dopara não transgredir uma barreira do direito internacional, que é abarreirado dano. Se esses líderes com seu discurso, coma potência com que falam e a capacidade que têm de fazer as coisas quando falam, podem gerar danos efetivos e substanciais na vida das pessoas, aqui há um limite.

O debate foi democratizado nas redes sociais, mas isso não representa uma ameaça para as democracias em tempos difíceis?

As redes sociais são um instrumento de comunicação e ação coletiva. Eles servem para denunciar abusos que às vezes não são denunciados de outra forma, para pressionar políticas por meio de ações coletivas. Mas por meio das redes sociais também pode haver uma coordenação para produzir danos. Nesses casos, todas as redes têm padrões que proíbem isso. Assim, se alguém acredita que as redes estão sendo utilizadas dessa forma, pode denunciar, e elas têm que investigar se realmente existe um uso coordenado para produzir dano ou se o que há é uma comunicação pública e espontânea que denuncie atos de violência ou maltrato.

Há um debate nos EUA sobre se devem ou não aliviar a legislação que protege as redes sociais de serem responsáveis pelo que seus usuários publicam. Culpá-los seria uma forma eficaz de conter a desinformação?

Acho que seria um erro monumental, pois eles estariam repletos de advogados que recomendariam que, diante de qualquer possibilidade mínima de eventual dano, removessem o conteúdo. O que penso é que deve haver regras, como de fato existem em alguns lugares onde, por exemplo, em face de uma ordem judicial ou de um órgão independente, o conteúdo deve ser apagado. Diante de uma reclamação, por exemplo, de que essa rede está transmitindo pornografia infantil, o conteúdo deve ser retirado do ar.

Mas que eles não têm a obrigação de fazer isso proativamente porque se você tem uma comunidade de mais de 3 bilhões de usuários que postam bilhões de conteúdo diariamente, você não tem como fazer essa vigilância proativa. E os advogados diriam que para e proteger é preciso deletar tudo o que pode envolver um risco. Então apagariam o humor, a sátira, a crítica, o jornalismo investigativo e só restaria aquilo não poderia representar dano.

O Grupo de Diários América (GDA), do qual O GLOBO faz parte, reúne 11 dos principais jornais da América Latina.

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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