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STF e ONU pedem investigação sobre operação no Rio

Fachin considera denúncias de moradores ‘graves’, e entidade critica ação policial em favela

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, acionou os procuradores-gerais da República e da Justiça do Rio para que apurem os relatos de moradores sobre abusos e execuções ocorridos durante a ação policial no Jacarezinho na quinta-feira. Com as três pessoas que morreram ontem em hospital, subiu para 28 o número de vítimas. Três delas estavam entre os 21 denunciados pelo MP por tráfico. O vice-presidente Mourão disse que os mortos eram “tudo bandido”. A ONU criticou o uso excessivo de força e pediu investigação imparcial. Cerca de 300 pessoas protestaram contra o que chamaram de chacina.

No dia seguinte da operação policial mais letal do Rio, que teve repercussão nacional e internacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Organização das Nações Unidas (ONU) exigiram investigações independentes e rigorosas para apurar as denúncias de abusos e de execução dentro do Jacarezinho, na Zona Norte da cidade, feitas por moradores e parentes dos mortos. O total de vítimas fatais subiu para 28, incluindo um policial civil, porque outras três teriam morrido ontem no hospital. Enquanto a polícia nega as acusações e defende que houve um trabalho técnico, o ministro Édson Fachin, do STF, pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, e ao procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Oliveira Mattos de Souza, que investiguem os fatos por considerá-los “graves”. Ele também encaminhou um vídeo, recebido pela Corte, em que um homem aparece sendo executado por outro vestido com roupa de policial, para que fosse apurada a veracidade. No ano passado, Fachin já tinha dado ordem para que as operações policiais fossem suspensas durante a pandemia de coronavírus e só acontecessem em caráter “excepcional”. O conceito de “excepcionalidade” está no centro do debate e foi usado pela Polícia Civil para justificar as ações no Jacarezinho. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos se manifestou afirmando estar “profundamente preocupado” com informações de que a “polícia não tomou as medidas necessárias para preservar as provas na cena do crime, o que poderá prejudicar a investigação”. O porta-voz da instituição da ONU, Rupert Colville, pediu que as investigações sejam imparciais e sigam as normas internacionais. O Alto Comissariado denunciou o uso desproporcional da força policial nas favelas brasileiras, uma tendência que, frisou Colville, já vem de muito tempo. “Além disso, pedimos um debate amplo e inclusivo no Brasil sobre o modelo de manutenção da ordem aplicado nas favelas”, concluiu.

HOMENAGENS EM ENTERRO

A operação da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente teve início às 5h50 de quinta-feira e durou cerca de nove horas. Há dez meses, um inquérito da especializada investigava o aliciamento de crianças pelo tráfico. Algumas de até 12 anos circulariam de fuzil pelo Jacarezinho. Logo na chegada dos agentes, um bandido teria atirado de uma laje, atingindo o inspetor André Leonardo Frias, de 48 anos. Ele foi baleado na cabeça e, embora tenha sido socorrido, não resistiu. Ontem, cerca de 500 pessoas, entre amigos e parentes, aplaudiram o sepultamento do policial, no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. A mulher de André Leonardo, que também é policial, estava muito emocionada e lembrou da última vez que falou com o marido, pouco antes de ele sair para a operação que resultou na sua morte:

— Ele me abraçou de madrugada e disse que voltaria. Ao comentar a ação policial no Jacarezinho que deixou 28 mortos, o vice-presidente Hamilton Mourão comparou a situação do Rio de Janeiro a de uma guerra, com a presença de "narcoguerrilhas", e afirmou que as vítimas eram "bandidos" e "marginais". Quando Mourão fez a declaração, a polícia ainda não tinha divulgado a identificação dos mortos.

— Tudo bandido. Entra um policial, em uma operação normal, leva um tiro na cabeça de cima de uma laje. Lamentavelmente essas quadrilhas do narcotráfico, elas são verdadeiras narcoguerrilhas, que têm controle sobre determinadas áreas — disse Mourão, ao chegar de manhã ao Palácio do Planalto. Por nota, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves, disse que ações de combate ao crime, embora necessárias, devem zelar pela proteção à vida. O prefeito Eduardo Paes criticou a política de segurança “inexistente e equivocada”. Mas apelou para que o STF permita que o estado exerça “o monopólio da força cumprindo a lei". O enteado do policial, de 10 anos, acompanhou o cortejo em lágrimas. Ele vestia a camisa da corporação que pertencia ao padrasto.

— Eu te amo, pai — disse, aos prantos, ao tirar a camisa e colocá-la sobre o caixão. Secretário estadual de Polícia Civil, Allan Turnowski discursou e elogiou a ação da polícia, que vem sendo duramente criticada por especialistas da área de segurança e entidades de defesa dos direitos humanos. Segundo ele, a conduta dos policiais teve “técnica e maturidade”. Turnowski disse também que 27 mortos eram traficantes.

PROTESTO DE MORADORES

Ontem, às 17h, moradores e familiares das vítimas fizeram um protesto contra o que chamaram de “chacina do Jacarezinho” com faixas e cartazes, que teve a presença de cerca de 300 manifestantes. O presidente da associação de moradores do local, Leonardo Pimentel, afirmou que há inúmeras versões de abusos e que a ação policial repercutiu mal entre toda a população de favelas. — Todas as comunidades do Rio se sentiram atingidas com a carnificina que promoveram aqui. Hoje foi Jacarezinho, amanhã pode ser na Maré, em Manguinhos. É preciso dar um basta —criticou.

Dos 27 suspeitos mortos, a polícia identificou apenas três com relação no inquérito sobre aliciamento de menores no Jacarezinho, que já eram denunciados por tráfico pelo Ministério Público estadual. Richard Gabriel da Silva Ferreira, conhecido como Kako; Isaac Pinheiro de Oliveira, o Peeda Vasco; e Rômulo Oliveira Lúcio, conhecido como Romulozinho seriam “soldados do tráfico” e atuavam como braço armado da organização criminosa do Jacarezinho. Os familiares dos três denunciados afirmaram a jornalistas, no Instituto Médico-Legal (IML), que eles foram executados. Ontem, o Ministério Público informou que um médico peritodoórgãoacompanhaas análises do IML. A investigação é conduzida pela 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo Rio de Janeiro.

“Tudo bandido”, diz Mourão

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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