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Para a emergência atual, quebra de patente é irrelevante

A HORA DA CIÊNCIA Natalia Pasternak Microbiologista, presidente do Instituto Questão de Ciência, pesquisadora do ICB-USP e autora do livro "Ciência no Cotidiano"

Acadeia de produção da vacina da Pfizer começa em uma fábrica no Missouri, EUA. Lá, estão estocados os plasmídeos — pedaços circulares de DNA — contendo a informação genética da proteína S, do SARS-CoV-2. Para começar a produzir a vacina, o plasmídeo é descongelado e clonado em bactérias. Bactérias são verdadeiras fábricas: produzem desde insulina humana e enzimas para queijo até vacinas. Fermentadores de 300 litros, cheios de bactérias, geram trilhões de plasmídeos, que serão extraídos, purificados e cortados, deixando só o DNA que vai servir de molde para o mRNA que vai na dose da vacina. Para fazer o mRNA, a Pfizer tem duas opções: uma fábrica em outra parte dos EUA, ou uma na Alemanha.

O mRNA pronto precisa agora ir para outra fábrica, onde será “embalado” na cápsula de gordura que vai protegê-lo até que entre na célula da pessoa a ser vacinada. Há duas instalações no mundo que fazem esse serviço para a Pfizer: uma em Michigan (EUA) e outra na Bélgica. Depois, mais uma viagem, para o destino onde a vacina será envasada e acondicionada em gelo seco. Cada caixa com cinco bandejas de 195 vidros de vacina leva 20 kg de gelo seco. Outras vacinas baseadas em tecnologias mais recentes, como a Novavax, de proteína, também exigem procedimentos complexos que poucas empresas, no mundo, têm a expertise e os equipamentos necessários para realizar com segurança e competência. Ecada etapa inclui também um rigoroso controle de qualidade. Quebrara patente dessas vacinas não faz com que esses equipamentos e essa expertise se instalem, por encanto, nos países em desenvolvimento, junto do acesso aos insumos e às tecnologias acessórias que garantam capacidade produtiva. A Novavax, por exemplo, firmou um contrato de transferência de tecnologia coma farmacêutica Takeda, do Japão, que ainda não começou a produzir porque a transferência de tecnologia e a adequação da fábrica levam tempo. A Moderna deixou claro que não cobraria pela propriedade intelectual, e não estamos vendo o mercado ser inundado por genéricos da Moderna. Para países que tem já uma grande indústria de vacinas instalada, como China e Índia, a quebra de patentes poderia até ser benéfica, mas neste momento a capacidade destes países já está tomada por fabricação própria e contratos de licenciamento. No Brasil, quem teria capacidade para produzir algumas dessas vacinas de multinacionais seriam Butantan e Bio-manguinhos, já comprometidos com CoronaVac, Butanvac e Oxford/Astrazeneca. Para vacinas genéticas, falta-nos capacidade para produção em escala. Podemos até ter fermentadores para bactérias, mas e as outras etapas? Purificação do mRNA? Produção da embalagem lipídica? Quebrar patentes pode e deve ser discutido co mouma estratégia delongo prazo, para evitar a escassez no futuro. Mas é irrelevante para a emergência atual. Os gargalos da produção são técnicos e industriais, não legais. Não dá para criar vacinas p orcaneta da,épreci soantes investiremciência, desenvolvimento e indústria.

Quebrar patentes deve ser discutido como estratégia de longo prazo, para evitar a escassez. Mas é irrelevante para a emergência atual

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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