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Privatizando o SUS

ASCÂNIO SELEME oglobo.globo.com/brasil/ascanio-seleme/ ascanio@oglobo.com.br

Ogoverno federal está realizando consulta pública para implantar um acerta“Política Nacional de Saúde Suplementar para o enfrentamento da Pandemia da Covid-19” que, na visão de especialistas e instituições dedicadas à saúde pública, significa um pedido de autorização para “privatizar” o SUS. A consulta foi autorizada pelo Consu, o Conselho Nacional de Saúde Suplementar, formado pelos ministros da Saúde, da Casa Civil, da Economia e da Justiça, assumindo competência que tecnicamente deveria ser da Agência Nacional de Saúde Suplementar( ANS).Seg undo dois grupos de estudos, um da Faculdade de Medicina da USP e outro do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, o governo está aproveitando a pandemia para“passar aboiada” em favor das operadoras de planos de saúde.

A consulta, lançada na plataforma digital Participa + Brasil, da Presidência da República, tem 18 pontos. Segundo o Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Faculdade de Medicina da USP (Geps) e o Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde da UFRJ (GPDES), todos os pontos atendem aos interesses privados das operadoras em detrimento do interesse coletivo. Ao instituir a política, a consulta propõe integrar as ações da saúde suplementar ao SUS. Segundo os dois grupos, as práticas da saúde pública e da complementar são heterogêneas e muitas vezes divergentes, o que inviabiliza esta integração. A menos que se queira transformar o SUS numa “rede protetora das operadoras privadas”.

O governo propõe em sua consulta pública garantir o atendimento à saúde em“prazos razoáveis ”. De acordo com análise feita peloGepsep elo GPDES, a ideia por trás deste pontoére mover o artigo 3º da Resolução Normativa 259 da ANS, que definiu prazos máximos para o atendimento eque“éumap edra nosap atopara a comercialização de planos de cobertura restrita ”. A consulta também sugere proporcionar um ambiente de entendimento para solucionar conflitos entre operadoras e prestadores de serviços de saúde. Significa, segundo a análise dos grupos, aumentara interferência dos planos nas condutas de médicos e outros profissionais de saúde.

Um dos pontos crítico sé oque estabelece que um dos objetivos da políticaé“contribuir parao desenvolvimento sustentável do setor de saúde privada do país ”. Par aG ep se GP D ES ,“não há justificativa para o apoio governamental ao setor privado”. Está se oferecendo “suportes públicos para ampliara privatização da saúde ”. Oqueé ilegal e imoral num país tão desigual quanto o Brasil. Em outro ponto, a consulta propõe“estabelece rações que visemo desestímulo ao atendimento de beneficiários de planos de saúde no SUS, no limite das coberturas contratadas”. De acordo com Januário Montone, primeiro presidente da ANS ainda no governo de Fernando Henrique, “querem baratear os planos para garantir maior acesso à população, reduzindo a cobertura e impondo limites de utilização”.

Há ainda diversas armadilhas enumeradas na análise da proposta feita pelos grupos da USP e da UFRJ e publicada em seus sites no dia 5 de maio. Um adela sé a inversão de valores hierárquicos, ao submetera Agência Nacional de Saúde ao Conselho de Saúde Suplementar. Oartigo5ºdapr oposta em consulta afirma que asaçõesd apolítica nacional serão elaboradas pela AN Se“aprovadas” pelo Consu. OC ons elhoé um órgão político, sem qualificação técnica, ao contrário da Agência. Segundo Januário Montone, oC onsu“perd eu sua finalidade coma criação da agência reguladora no ano 2000 e acabou sendo absorvido pelo Conselho Nacional de Saúde ”.

Montone afirma “que esse plano tenta solapar os mais de 20 anos de regulação do setor de saúde suplementar”. Ele lembra as muitas medidas introduzidas na regulação do setor pela Lei Geral dos Planos de Saúde, como a proibição de restrições ao acesso aos planos, o direito à assistência de urgência e o ressarcimento ao SUS de custos gerados por detentores de planos. “Diziam que o mercado ia quebrar. Não quebrou. Em 2019 sua receita foi equivalente a 72% do orçamento do SUS, somando União, estados e municípios”. Para os grupos da UFRJ e da USP trata-se de “mais uma ofensa à saúde e à vida” que não pode ser tolerada. Diante disso, o governo recua ou tenta contradizer tantas constatações. Vai ser difícil.

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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