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Quebra de patentes contra a Covid-19 se justifica

PABLO ORTELLADO blogs.oglobo.globo.com/opiniao po.ortellado@gmail.com

Asuspensão dos direitos de propriedade intelectual para produtos relacionados à prevenção e ao tratamento da Covid-19 é uma medida razoável e justificada. A sinalização dos Estados Unidos de que apoia —provavelmente de maneira nuançada — a proposta feita à Organização Mundial do Comércio (OMC) pela Índia e pela África do Sul é uma notícia alvissareira, já que o país tem sido historicamente o mais duro opositor de qualquer tentativa de flexibilizar os direitos de propriedade intelectual. A proteção à propriedade intelectual é uma excepcionalidade nas economias de mercado porque institui monopólios que contrariam as regras usuais que incentivam a livre concorrência. Patentes conferem aos criadores de uma tecnologia o direito exclusivo de exploração comercial por um período limitado de tempo, para compensar o investimento.

Assim, se a Moderna investe milhões de dólares no desenvolvimento de uma vacina, tem o direito de vender essa vacina com exclusividade, sem concorrência, por 20 anos, para, por meio das vantagens do monopólio (como capacidade de determinar o preço sem a pressão de competidores), resgatar o que investiu. O sistema de proteção à propriedade intelectual foi construído com base nessa racionalidade, mas contém exceções que permitem sua flexibilização em emergências médicas, como a que vivemos com a Covid-19.

O acordo Trips da OMC autoriza Estados membros a fazer licenciamentos compulsórios (“quebra de patentes”), que não são expropriações, mas suspensões desses monopólios, permitindo que outros atores econômicos explorem a invenção, pagando royalties ao detentor da patente. Como não há mais monopólio, instaura-se um regime de livre concorrência, e os preços caem.

Embora esse mecanismo esteja previsto nas diferentes legislações nacionais, ele é de implementação demorada e tem alcance limitado quando se olha para a capacidade industrial de cada país e para cadeias produtivas que são internacionais. Por isso, Índia e África do Sul propuseram em outubro do ano passado uma medida de maior alcance: a suspensão de direitos de propriedade intelectual para produtos relacionados ao tratamento e à prevenção da Covid-19. As farmacêuticas criticaram duramente a medida, alegando que isso ameaçaria o sistema de incentivos. Defensores da suspensão lembram, porém, que uma parcela muito considerável do investimento para vacinas não foi feita pelas farmacêuticas, mas pelos Estados nacionais. A Moderna recebeu US$ 955 milhões do governo americano para desenvolver a sua vacina. Levantamento da Fundação Kenup identificou € 88 bilhões em investimentos públicos para o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 em 2020.

Se uma parcela ampla dos investimentos é pública, se a instauração de um regime de concorrência vai baratear os preços e ampliar a oferta, garantindo acesso aos mais pobres, a medida é justificável numa emergência desta magnitude. Resta aguardar como os Estados Unidos amenizarão a proposta de Índia e África do Sul para buscar um consenso na OMC.

Se a instauração de um regime de concorrência vai baratear os preços e ampliar a oferta, a medida é justificável

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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