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A patente não é o obstáculo

CARLOS ALBERTO SARDENBERG blogs.oglobo.globo.com/opiniao sardenberg@cbn.com.br

Vamos supor que a Organização Mundial da Saúde, com apoio dos países ricos e poderosos, decretasse hoje a quebra de todas as patentes de vacinas contra a Covid-19. O que aconteceria? Aumentaria a produção?

A resposta é não.

No curto prazo, a carência de vacinas não tem nada a ver com patentes. Simplesmente, não há capacidade de produção na escala necessária para atender ao mundo. Faltam fábricas e insumos —o que não é surpreendente. Afinal, de um momento para outro, passou a existir uma demanda global de vacinas para a qual a economia global não estava preparada.

De outro lado, e simplificando, há dois tipos de vacinas. Aquelas feitas com tecnologias conhecidas há tempos, como a CoronaVac, uma progressão em relação às vacinas contra a gripe.

E há outras, de novíssima tecnologia, como aquela inventada pela alemã BioNTech, fabricada e distribuída pela Pfizer. No caso das primeiras, já está ocorrendo uma abertura. O fabricante chinês transferiu tecnologia e licenciou o Butantan, antigo produtor de vacinas antigripais, para produzira quia CoronaVac. Domes mo modo, o complexo Oxford/ Astra Zene ca se relacionou coma Fio cruz. Portanto, a carência dessas vacinas por aqui não decorre das patentes, mas da falta de insumos e capacidade produtiva. E porque não temos isso? Éo preço de anos sem inves- timentos públicos e sem estímulos ao investimento privado em tecnologias de ponta.

Um dos problemas brasileiros é justamente a dificuldade de obter a patente —a proteção do direito intelectual — e mantê-la.

A regrado jogo mundial na tecnologia de ponta é a proteção da invenção. Se misso, não há investimento privado e os governos, como sabemos, são incapazes de substituí-lo. Sim, há governos que apoiam as pesquisas científicas, mas os medicamentos e vacinas revolucionários são de autoria de companhias privadas.

Há dez anos, a vacina da BioNTech era apenas uma ideia de dois cientistas, donos de uma startup. Como parecia uma ideia boa, apequena companhia recebeu seguidos aportes de capital privado e entregou a vacina no momento em que o mundo precisou.

Teve um excelente lucro no primeiro trimestre deste ano, que paga os investimentos feitosa olongo de anos. Se a patente for quebrada, isso lança um péssimo sinal para todo o setor farmacêutico. E não teremos vacinas tão boas e tão atempo na próxima pandemia.

Além disso, se quebrada a patente das vacinas de alta tecnologia, também não acontece nada de imediato. Não existem laboratórios e pessoal capacitado para essa novidade. Ou seja, danem-se os pobres? Vamos falar francamente: não é isso mesmo que está acontecendo?

Dito de outro modo: é um imperativo moral que os governos e as instituições internacionais se movam para prover vacinas ao mundo todo. A resposta americana—suspensão provisória das patentes— parecem ai suma jogada política interna e externa. Interna, porque com isso Joe Biden fala com a ala esquerda de seu Partido Democrata. E externa, para mostrar, digamos, solidariedade. Mas vários líderes europeus, como Macrone Merkel, fo-ram direto ao ponto: os EUA só fizeram isso depois deter garantido doses para sua população, seguindo uma política que proíbe a exportação de vacinas e insumos. Nesse caso, comportamento humanitário é o da Un ião Europeia, que já exportou mais de 200 milhões de doses, mesmo não tendo garantido seu próprio abastecimento. Exportar, bem entendido, não é apenas um gesto humanitário. Trata-se de uma pandemia, de modo que nenhum país estará inteiramente imune se os outros não estiverem. Tudo considerado, é preciso, sim, uma ação concertada de governos para levar as detentoras de vacinas a licenciar o maior número possível de laboratórios, onde houver, e transferir tecnologia básica; e a negociar preços menores para os países mais pobres. Também se deveria obrigar os países que têm sobrade vacinas a exportá-la sou adoá-las aos mais pobres.

É um imperativo moral que os governos e as instituições internacionais se movam para prover vacinas ao mundo todo

Opinião Do Globo

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2021-05-08T07:00:00.0000000Z

2021-05-08T07:00:00.0000000Z

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