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Sucralose pode ser arma contra males autoimunes

Em estudo com animais, adoçante usado em bebidas e alimentos alterou funcionamento de células de defesa. Efeito tem potencial de limitar reação exagerada do sistema imunológico em condições como lúpus e diabetes

BERNARDO YONESHIGUE bernardo.yoneshigue@oglobo.com.br

Cientistas do Instituto Francis Crick, no Reino Unido, descobriram que altas doses de um adoçante artificial comum, a sucralose, podem interferir na resposta do sistema imunológico. Embora pareça ser algo negativo, o achado na verdade pode ser um caminho para novos tratamentos de doenças autoimunes, afirmam os pesquisadores responsáveis pelo estudo publicado na revista científica Nature.

A sucralose é amplamente utilizada em bebidas e alimentos e tem um poder adoçante até 600 vezes maior que o açúcar tradicional. Diversos trabalhos, no entanto, têm mostrado que o composto criado em laboratório pode afetar o microbioma e alterar a resposta do corpo à glicose, aspectos negativos da substância em excesso.

Porém, os cientistas britânicos decidiram avaliar o impacto do adoçante no sistema imunológico, algo pouco conhecido até então. Para isso, eles alimentaram camundongos com quantidades diferentes de sucralose entre as consideradas aceitáveis pelas autoridades de saúde americana e europeia, que vão de 5 mg por kg até 15 mg por kg, respectivamente.

Os responsáveis pelo trabalho destacam que essa é uma ingestão diária do adoçante considerada alta e que dificilmente é alcançada pela população no dia a dia, embora seja possível.

Após um período de cerca de dez semanas, os pesquisadores observaram que a dieta entre os animais com doses mais altas de sucralose levou a uma diminuição na capacidade de ativar as células CD8 T de defesa, que fazem parte do sistema imunológico, durante a resposta a um câncer ou a uma infecção.

Analisando os achados a fundo, eles observaram que isso ocorreu devido a um impacto na liberação de cálcio dentro das células T pelas doses altas de sucralose, o que afetou a sua funcionalidade.

SEM ALARDE

Os cientistas ressaltam que o trabalho não deve provocar um alerta entre os consumidores da sucralose, uma vez que o impacto foi observado por enquanto em animais e com quantidades muito elevadas de consumo, que não são habituais entre pessoas.

“As doses que usamos em camundongos seriam muito difíceis de atingir sem intervenção médica”, explica um dos autores do estudo e estudante de pós-doutorado na Francis Crick, Fabio Zani, em comunicado.

Neil Mabbott, professor de Imunopatologia no Instituto Roslin, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, que não participou do trabalho, lembra ainda que “o estudo sugeriu que esses efeitos podem ser reversíveis, pois os efeitos negativos nas respostas das células T começaram a se recuperar quando o tratamento com sucralose foi interrompido”.

Portanto, os pesquisadores encaram os achados como algo positivo, pois avaliam que esse efeito no sistema imunológico, embora indesejável para a população geral, “pode ser usado na terapia para mitigar distúrbios autoimunes”, como escrevem no estudo.

“Mais pesquisas e estudos são necessários para ver se esses efeitos da sucralose em camundongos podem ser reproduzidos em humanos. Se essas descobertas iniciais se mantiverem nas pessoas, elas poderão um dia oferecer uma maneira de limitar alguns dos efeitos nocivos das condições autoimunes”, diz a autora principal do estudo, Karen Vousden, pesquisadora da Francis Crick.

Os distúrbios do tipo são provocados por uma reação inadequada do organismo que leva o próprio sistema imunológico a atacar partes do corpo. Entre eles, estão a artrite reumatoide, o lúpus e a diabetes tipo 1.

E, ainda que tenha sido de forma inicial, o trabalho mostrou justamente como esse potencial pode se traduzir na parte clínica ao comparar o desenvolvimento de diabetes tipo 1 entre os camundongos, doença que leva as células T a destruir regiões do pâncreas chamadas de ilhotas pancreáticas, que produzem a insulina.

“Camundongos (geneticamente modificados para desenvolver a doença) que receberam qualquer dose de sucralose apresentaram frequências mais baixas de hiperglicemia e atraso no desenvolvimento de diabetes tipo 1, um efeito que foi independente do ganho de peso”, escreveram os autores.

EFEITOS CONCRETOS

Além do potencial para novas terapias, o chefe do Departamento de Ciências da Vida do Imperial College London, no Reino Unido, Daniel Davis, comenta que o estudo “é extremamente importante para mostrar que a sucralose não é uma molécula que simplesmente não tem ação no corpo humano, como se poderia supor”.

Isso porque, quando foi sintetizado, acreditava-se que o adoçante artificial não teria grandes impactos no organismo. “Existe essa visão de mundo de que esses adoçantes simplesmente passariam por nossos corpos —nossas línguas os provariam e nada mais aconteceria. Este estudo é mais uma prova de que isso é profundamente falso”, explicou a neurocientista comportamental da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, Susie Swithers, que estuda os efeitos na saúde de usar adoçantes artificiais, em reportagem da Nature.

Saúde

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2023-03-22T07:00:00.0000000Z

2023-03-22T07:00:00.0000000Z

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