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Estatais do saneamento gastam mais com salários do que investem

Dis­tor­ção. Es­ta­ção de tra­ta­men­to de es­go­to da Ce­dae no Rio: es­ta­tais de sa­ne­a­men­to acu­mu­lam pro­ble­mas es­tru­tu­rais e fa­lhas nos ser­vi­ços, mas gas­tam mais com fo­lha de pa­ga­men­tos do que com in­ves­ti­men­tos na ex­pan­são de su­as re­des
Dis­tor­ção. Es­ta­ção de tra­ta­men­to de es­go­to da Ce­dae no Rio: es­ta­tais de sa­ne­a­men­to acu­mu­lam pro­ble­mas es­tru­tu­rais e fa­lhas nos ser­vi­ços, mas gas­tam mais com fo­lha de pa­ga­men­tos do que com in­ves­ti­men­tos na ex­pan­são de su­as re­des
CUSTODIO COIMBRA/5-6-2019

As empresas públicas que dominam o saneamento no país gastaram mais com salários do que com melhorias nos sistemas de água e esgoto nos últimos anos. Levantamento do Ministério da Economia mostra que as despesas com pessoal somaram R$ 68,1 bilhões entre 2010 e 2017, R $8,5 bilhões a maisque os investimentos. Com mais de 100 milhões de brasileiros sem coleta adequada de esgoto, salários consomem fatia crescente das receitas das estatais num se torem que, apesar de o aumento das tarifas ter superado a inflação, indicadores não avançam. No fim de 2017, a cobertura de esgoto era menor que 50% em 18 dos 25 estados analisados. Já está em discussão no Congresso um novo marco legal para o setor.

Enquanto o Congresso se prepara para discutir um novo marco legal para o saneamento, um estudo do Ministério da Economia aponta que, nos últimos anos, empresas públicas que dominam o setor gastaram mais com salários do que com melhorias no sistema. De acordo com o levantamento, obtido pelo GLOBO, as despesas com pessoal dessas companhias somaram R$ 68,1 bilhões entre 2010 e 2017. O valor supera em quase 8,5 bilhões os investimentos realizados no mesmo período, que somaram R$ 59,7 bilhões. Para a equipe econômica, o diagnóstico indica falta de eficiência das estatais, já que houve aumento nas receitas. Nos anos analisados, as tarifas de água e esgoto subiram mais de 80%, acima da inflação de 62,9% acumulada no período. Os dados, baseados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), serão usados pelo governo para argumentar que a resistência a mudanças na legislação que aumentariam a competição nos etoréf ruto dolobby de funcionários que buscam manter altos salários nas estatais. —O investimento derreteu e o salário não para de subir. O custo médio por funcionário é algo impressionante, mais de R$ 300 mil (por empregado) no caso da Caesb (DF). Quase isso no Piauí, que é um estado pobre. É inadmissível — diz Diogo Ma cC ord, secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura da pasta da Economia. De acordo com o estudo, o volume de investimentos caiu em nove das 25 empresas analisadas.Na Ages pisa, estatal do Piauí, esses gastos despencaram 77% enquanto a contados

salários subiu 143% entre 2010 e 2017. No Acre, onde o setor é atendido pelo Depasa, departamento que também é responsável por pavimentação, os investimentos foram de apenas R$ 15 mil em 2017. Os gastos com pessoal, por sua vez, dobraram de R$ 20 milhões para R$ 40 milhões. A baiana Embasa, que investia mais que o dobro do gasto com folha salarial em 2010, inverteu essa situação em 2017, quando gastou R$ 647,3 milhões com salários e R$ 431,7 milhões com incrementos nos serviços. Os investimentos caíram 35% e o gasto com pessoal subiu 116% no período.

SERVIÇOS INSUFICIENTES

A falta de investimentos se reflete nos índices de atendimento. Segundo os dados compilados pelo governo, a taxa de coleta de esgo toem 2017, por exemplo, era menor que 50% em 18 dos 25 estados analisados. Na Ceda e, que atende o Rio, o índice era de 44,8%. As perdas na distribuição de água, outro indicador de qualidade do setor, chegavam a 75% em 2017, caso da Caer, de Roraima. Em 14 empresas, esse índice superava os 40%. O economista Claudio Frischtak, especialista em infraestrutura da consultoria Inter.B, critica a inversão de prioridades e lembra que mais de 100 milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto. Segundo o IBGE, em 2018 só 38,2% dos municípios tinham uma política de saneamento básico: —Temos uma situação gravíssima. Possivelmente, a melhoria do saneamento básico no paí sé oque teria o maior impacto no bem-estar da população mais pobre. E os lobbies atuam para impedir uma legislação modernizante. Não há consenso sobre como mudar esse quadro. No início de agosto, o governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei para mudar as regras no setor, com maior abertura para a iniciativa privada. O texto prevê que municípios privatizem o serviço ou, ao fim de um contrato com uma estatal, abram licitação para serviços de água e esgoto, impondo a concorrência. Hoje, prefeituras podem estender contratos automaticamente com as prestadoras estatais, nos chamados contratos de programa. O projeto foi encaminhado depois de tentativas frustradas de aprovaras mudanças no Legislativo. Em maio, uma medida provisória( MP) que tratava do tema perdeu validade. No mesmo dia em que aMP caducou, o senador Tasso J ereis sati (PSDB-CE) apresentou uma proposta com o mesmo teor, mas o texto acabou sendo descaracterizado, abrindo a possibilidade de dispensar governos regionais da licitação. Agora, a proposta do governo será analisada junto com outras nove. Uma Comissão Especial foi instalada na Câmara para analisar o tema a partir da próxima quarta-feira. O trabalho deve se estender por até 45 dias. Na avaliação do relator , deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), o clima pós-reformada Previdência favorece o avanço do projeto: —Esse vai ser o primeiro debate pós-reforma. Era um tema que nos atrapalhava. Sem ela, não tinha uma pauta para buscar espaço, para dialogar.

REAJUSTES ‘OBRIGATÓRIOS’

O projeto do governo enfrenta resistência das empresas estatais. Em nota, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) afirmou queéafav ordo debates obre um novo marco regulatório,mas criticou a extinção dos contratos de programa: “Alguns aspectos do projeto de lei são contestados pela Aesbe, como a extinção dos contratos de programa que, nesse momento, é colocado como o grande malfeitor da estagnação do setor no país. Isso é um equívoco. Todo o avanço alcançado até agora foi feito praticamente pelas estaduais.” A associação também afirmou que, na comparação entreinvestimentos e gastos com pessoal do governo, é preciso considerar que as empresas têm outros gastos, como os de custeio. Destacou ainda que muitos reajustes salariais advêm de decisão judicial. O GLOBO também procurou as cinco empresas com maior queda nos investimentos. A Saneago, de Goiás, que reduziu investimentos em 35% e aumentou a folha em 228% em sete anos, destacou, em nota, que realizou dois Programas de Desligamento Voluntário (PDV) como parte de sua reestruturação recente, reduzindo 605 vagas com economia anual de R$ 139 milhões. Fechará 2019 com R$ 1,1 bilhão em obras contratadas. A reportagem não obteve respostas de Depasa (AC), Agespisa (PI), Cagepa (PB) e Embasa (BA).

MODELOS ALTERNATIVOS

Hoje, 70% do setor de saneamento são atendidos por empresas públicas. Outros 20% estão nas mãos de autarquias municipais e apenas 10% fica com empresas privadas. Críticos da tese da privatização argumentam que empresas privadas tendem a não investir em áreas menos lucrativas. Para o deputado Afonso Florence (PT-BA), ex-secretário de Desenvolvimento Urbano da Bahia, o projeto de lei inviabiliza empresas públicas no setor. Para ele, a melhor forma de incentivar a participação privada não é a privatização, mas o aperfeiçoamento de outros modelos, como parcerias público-privadas (PPP): —As pessoas não estão tentando facilitar a presença do setor privado. Querem inviabilizar a presença do público. Para o economista da consultoria GO Associados Pedro Scazufca, há espaço para diversificar modelos: — A Sabesp, em São Paulo, partiu para o capital aberto (o estado mantém controle e investidores viram sócios minoritários com ações negociadas na Bolsa). Com isso, ela conseguiu levantar recursos para investir e teve que se reestruturar para responder a seus acionistas. É um modelo que tem dado mais certo que o de capital fechado. O mesmo se aplicaria a concessionárias estaduais que partissem para outros modelos, sejam parcerias, como concessões e PPPs, ou até privatização. Tudo isso pode levar a mais investimentos.