Modelo de concessão prevê repasse apenas da distribuição de água ao setor privado. Especialistas defendem privatização integral.
Ogoverno do estado vem apostando na privatização da Cedae como a solução para a falta de saneamento no Rio. Mas, pelo modelo de concessão desenvolvido pelo BNDES, a captação e o tratamento da água na Região Metropolitana, que estão no centro de uma crise, continuariam com a estatal. Diante desse cenário, em que mais de nove milhões de consumidores têm recebido em suas casas água com gosto e sabor de terra desde o início ano, especialistas defendem que todos os serviços prestados hoje pela companhia passem para a iniciativa privada.
— Acho que a Cedae não tem mais condição de fazer o que tem de ser feito no Guandu e nos outros sistemas. Está mais do que demonstrado que houve irresponsabilidade sistemática com os clientes — afirma Claudio Firschtak, da Inter. B Consultoria. —Não há como reformar essa empresa neste momento. Acredito que mesmo o modelo do BNDES, em que o tratamento de água permanece com a Cedae, é insuficiente. Penso que tem que privatizar também a captação e o tratamento, e obrigar, contratualmente, a empresa a zerar o esgoto em até três anos na captação.
O projeto de privatização da coleta e do tratamento de esgoto e da distribuição de água deu um passo importante anteontem, quando representantes de 15 prefeituras da Região Metropolitana deram aval à modelagem. São Gonçalo e Rio de Janeiro se posicionaram contra, o que não impede o andamento do processo. A concessão da companhia começou a ser discutida em 2017, quando ações da Cedae foram dadas como garantia de um empréstimo de R$ 2,9 bilhões junto ao BNP Paribas, que deve ser pago pelo estado no fim deste ano.
QUATRO BLOCOS
A proposta do BNDES é conceder os serviços em quatro blocos — que unem regiões rentáveis da capital com grupos de cidades. A meta, segundo a modelagem, é atingir a universalização do fornecimento de água em 15 anos e chegar a 90% da coleta e do tratamento de esgoto em 20. Estão previstos investimentos de R$ 32,5 bilhões nos sistemas. As outorgas (recursos que vão para os cofres estadual e municipais) ficariam em torno de R$ 11 bilhões. A projeção é que, em 35 anos, serão geradas receitas no total de R$ 331,4 bilhões.
— Toda essa crise pode levar a um debate sobre o impacto que o investimento privado pode ter no atual sistema. Mas é legítimo discutir outros modelos que não estão no radar do BNDES — pondera Juliana Jerônimo Smiderle, pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (Ceri), da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Pelo modelo em andamento, a Cedae ficaria com o tratamento da água na Região Metropolitana, mantendo o controle das maiores estações — Guandu e Imunaner na-Laranjal. Em 51 das 64 cidades onde a empresa atua hoje, o setor privado assumiria a produção da água, além dos outros serviços.
A Cedae já não tem o monopólio do saneamento no estado. Há diferentes modelos de concessão. Em Niterói, o sistema é similar ao proposto pelo BNDES, com a Cedae vendendo água tratada para a concessionária, que faz a distribuição e cuida do esgoto. Mas existem os casos de concessão plena, em que a captação e o tratamento de água também ficam com o operador privado, como acontece em Petrópolis e Nova Friburgo, por exemplo.
— Está claro que é preciso um salto de governança na Cedae, para garantir competência técnica. Há uma resistência corporativista que acaba resultando em custo para a sociedade. A tarifa do Rio não é menor que a média do país. A população tem recebido serviços falhos, as lacunas persistem e, agora, os problemas chegam à qualidade da água fornecida de forma surreal — afirma GesJá Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto( Abc on ), evitas e posicionar, mas frisa queéim portante garantira segurança hídrica:
—Acho que a discussão tem de estar focada na discussão sobre a capacidade de o poder público fazer os investimentos necessários para garantira qualidade da água.
Os especialistas afirmam que aindaé possível mudara proposta do BNDES.
Em entrevista ao “RJ-TV”, da Rede Globo, o diretor de Infraestrutura do BNDES, Fabio Abrahão, defendeu a permanência da Cedae:
— Se melhorarmos o esgoto que chega aos rios, vai ficar mais fácil fazer o tratamento no Guandu. Além disso, é importante termos um agente neutro, neste caso o estado, produzindo a água.
A prefeitura do Rio, que não votou a favor do modelo de concessão, vai tentar um encontro semana que vem com representantes do BNDES.
—O problema é que o BNDES utilizou apenas as informações da Cedae. Enquanto a Cedae diz, por exemplo, que 70% da região da Barra têm tratamento de esgoto, nosso número é de 40%. Essa discrepância vai impactar naquilo que foi modelado, porque, quando a empresa assumir e perceber que precisará fazer mais investimentos que o previsto, ela vai ter que pedir reequilíbrio financeiro do contrato e o valor inicial da outorga vai diminuir — explicou o presidente da Rio Águas, Claudio Dutra.
O estado informou que não vê “risco para o leilão” e que o processo é discutido há meses, com presença de técnicos do BNDES e representantes das prefeituras.
“Penso que tem que privatizar também a captação e o tratamento” Claudio Firschtak, da Inter.B Consultoria “Está claro que é preciso um salto de governança na Cedae, para garantir competência técnica”
Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados